A queima da gordura desprende micropartículas responsáveis pelo aroma que aguça seu apetite quando, na cozinha ou na churrasqueira, estão fritando ou assando refeições. A gordura dá sabor aos alimentos e serve de veículo aos temperos. Faz com que carnes pobres, como a da costela, tenham melhor paladar que as nobres, como lagarto ou filé-mignon.
Pena que, por seu alto valor calórico e pela atual colesterolofobia, as banhas foram expulsas do paraíso culinário.
O dia de matar porco era de muito trabalho na fazendola de meus tios. Previamente escolhido, o capão era guardado na ceva. Pouco espaço para andar e superalimentação. Dieta de milho, abóbora, restos de cozinha, soro de leite (subproduto da fabricação de queijos ou manteiga). Em pouco tempo, o suíno engordava tanto, que mal conseguia andar. Chegara ao ponto de abate.
Tangido para o local do sacrifício, era lavado e sangrado. O sangue, colhido na hora em recipientes com sal, vinagre e especiarias, servia para fabricar schwartz-sauer (tradução literal “Preto ácido” – espécie de morcilha alemã, servida em prato fundo).
As tripas eram levadas ao ribeirão para retirada do conteúdo. Depois de lavadas, eram invertidas com auxílio do pau de virar tripa (longo e fino bastão com pequeno gancho de ferro na ponta).
Em seguida, deixadas secar sobre o fogão a lenha para, nos próximos abates, servirem à fabricação de embutidos.
Tudo era aproveitado. Além das carnes nobres, o principal produto era o toucinho, transformado em banha e speck (torresmo). A parte restante destinava-se à fabricação de linguiça ou era dividida em pedaços menores. Estes eram fritos, imersos em banha e acondicionados em latas hermeticamente fechadas. Na falta de geladeira, a banha era importante na conservação das carnes para ulterior aproveitamento.
Sou do tempo em que não se desperdiçava alimentos por nada neste mundo. Desde criança, ensinados a não deixar sobra nos pratos. Os olhos, no dizer de então, não podiam ser maiores que o estômago. Alguns iam mais adiante. Achavam de bom tom que se deixasse a mesa com um pouquinho de fome. Educação ou economia doméstica?
Refrigerantes? Nem pensar.
Tanto os jovens como os adultos eram magros, apesar do grande consumo de carnes gordas e uso diário de gordura animal. Como explicar a predominância de magreza?
Trabalhava-se e andava-se. Por consequência, gastavam-se as calorias ingeridas. Fogão a lenha, panelas de ferro, roupas pesadas, varrição das casas ou escovões para encerá-las, pesados ferros de passar, tudo associado para fazer donas de casa gastarem energia. Tinham necessidades calóricas de trabalhador braçal, mas alimentavam-se como damas, que realmente eram. Meninas e moças da casa eram ensinadas à mesma escravidão da trabalheira doméstica. Homens, além do trabalho oficial, regular, tinham que carpir e limpar quintais, rachar lenha, cuidar da horta doméstica. Iam a pé para o local de trabalho. Crianças brincavam nos quintais, nos terrenos baldios e até nas ruas; caminhavam do lar às escolas. Os jovens, além dos esportes, namoravam andando. As paqueras eram móveis. No “footing”, não se gastava gasolina. Gastava-se a sola dos sapatos.
A gordura migrou do animal para a silhueta do homem moderno. Sob o título “Brasil acima do peso” a FSP relata: em dez anos, o número de jovens obesos quase duplicou³. Hoje cozinha-se com óleos vegetais e o suíno abatido é “porco tipo carne”. Entre as causas da epidemia de obesidade, o ir e vir reduzido ao trajeto sofá — TV — geladeira. Acrescente-se a substituição da fresca água dos potes de barro, pelos refrigerantes.
*Médico pediatra – edgard.steffen@gmail.com