A reforma política recém-aprovada pelo Congresso consolida o descrédito da sociedade em relação aos partidos e parlamentares. Trata-se, sobretudo, de uma reforma que não reforma.
A rigor, a única novidade importante que traz é a criação de um fundo eleitoral, que não tem teto, só piso: R$ 1,7 bilhão – o dobro do orçamento do Ministério da Defesa, que teve de retirar as tropas do Rio por falta de recursos. O dinheiro acabou em setembro.
Os recursos do fundo serão tirados do Orçamento da União. As emendas parlamentares ao Orçamento, destinadas em regra a setores essenciais, como saúde, educação e segurança pública, terão 30% de seus valores desviados para bancar os custos de campanha.
Isso pode ir bem além do valor previsto. Só para que se tenha uma ideia, no Orçamento de 2016, as emendas impositivas de bancada destinadas à educação somaram R$ 1,492 bilhão; à saúde, 4,4 bilhões; à infraestrutura, R$ 1,192 bilhão. Só com essas rubricas, os 30% somam mais de R$ 2 bilhões. E há muitas outras.
No Orçamento de 2018, calcula-se que esse corte equivalerá a um mínimo de R$ 3 bilhões. Havia uma proposta alternativa, do senador Ronaldo Caiado, que preservava integralmente o Orçamento e retirava os recursos para o fundo da renúncia fiscal, decorrente do horário eleitoral dito gratuito. Essa renúncia é de R$ 1,5 bilhão.
A proposta extinguia esse horário, restringindo-o às emissoras estatais e às redes sociais, a custo zero, proibindo ainda acesso pago às emissoras privadas. Punha fim às produções hollywoodianas do horário “gratuito”, em que as grandes estrelas são os marqueteiros.
E ainda: restringia a propaganda nas emissoras estatais à presença do candidato, ao microfone e à câmera. Olho no olho do eleitor. Claro, foi rejeitada, sem que fosse sequer discutida.
O Congresso, sem maiores controvérsias, preferiu deixar como está e investir no orçamento, já de si comprimido pelo rombo legado pelos governos do PT – e que o atual, sem autoridade moral, cogita em normalizar por meio de reformas que não terá meios de empreender. Com 3% de apoio popular, índice que se estende a toda a classe política, não se reforma nem um carro velho.
A proibição de doações de empresas aos partidos, estabelecida pelo STF, criou essa situação. Em vez de corrigir as distorções, dando transparência às doações, simplesmente as proibiu.
O Congresso poderia ter suprido essa lacuna, estabelecendo, por exemplo, que uma mesma empresa não pode doar a mais de um partido, como ocorre nos Estados Unidos.
Optou, porém, pelo fundo público, o que não impedirá a velha prática do caixa dois e será gerido pela cúpula dos partidos. O crime organizado, por sua vez, fortalecerá sua condição de doador e eleitor.
Uma mudança importante aprovada, o fim das coligações nas eleições proporcionais – expediente que permite que um Tiririca traga consigo mais uma dúzia de sem votos -, ficou para 2020.
Em 2018, teremos mais do mesmo. O máximo que se cedeu foi com a aprovação de uma cláusula de barreira bastante tímida, que não propiciará uma redução significativa das legendas de aluguel.
Para compensar, no entanto, embutiu-se na reforma algo que, além de inconstitucional, extrapola o seu universo de alcance: uma censura à internet. Por ela, qualquer parlamentar que se sentir ofendido por uma informação, ainda que verídica, poderá tirá-la do ar em 24 horas, mesmo sem autorização judicial.
Temer promete vetá-la. É o mínimo.
De quebra, adiou-se a adoção do voto impresso, colocando-se o eleitor mais uma vez diante do imponderável. A Smartmatic, empresa que fabrica as urnas utilizadas no Brasil, admitiu que são vulneráveis e que, na Venezuela, fraudaram as eleições. E aqui?
Pela teoria das aproximações sucessivas, mencionada pelo general Hamilton Mourão, cujo retrato, em um banner de dez metros de altura, foi colocado esta semana em frente ao Congresso, a crise avança cada vez mais. Democracia é o melhor remédio para os males que ela mesma gera, não há dúvida. Mas por onde anda a dita cuja?
*Jornalista