É cansativo ter que discorrer sobre quase sempre os mesmos itens que afetam o Brasil, ano após ano. O principal dilema é como acabar com a herança colonial que manteve intactos os princípios da Corôa Absolutista Portuguesa durante o Império, com poucas alterções na República e com fortes resquícios até o presente.

      Existe um tripé social que sacramenta a diferença entre a bem sucedida colônia britânica do norte do continente para a benévola colonia lusa do sul. Mantiveram-se os princípios de privilégios, impunidade e pouca representatividade a partir do momento que a Independência foi apenas uma mudança de sede – de Lisboa para o Rio de Janeiro – ao se manter o regime de governo central descendente e semelhante ao de Portugal.

      Como não houve um conflito armado sangrento ao exemplo do norte, batalhando por uma mudança radical de regime baseado no tripé de – igualdade de direitos,  perante a lei e total representatividade – algo estranho para a época – o Brasil desemboca no século XXI com as mesmas crenças, distorções e desigualdades presentes em seu passado colonial e monárquico.

      Existe um dos itens do chamado ‘Custo Brasil’ que está anos-luz á frente dos demais – da inflação, da precária infraestrutura, da burocracia, da corrupção, do raquítico sistema financeiro (que dorme em abraço de afogado com o governo), da antiquada, confusa, anti-empregador legislação e justiça trabalhista e do emaranhado, desigual e morfético sistema tributário. É a insegurança jurídica e sua consequente falta de confiança nas instituições.

      Nos últimos meses temos a sensação que o Brasil caminha a passos largos para uma inviabilidade institucional capitaneada pelo seu judiciário, talvez a derradeira esperança de colocar nos eixos os desmandos do legislativo e do executivo. O que se vê é um judiciário politizado fazendo vezes de legislativo alem de abandonar os princípios mais básicos de isenção político partidária.

      Nos EUA a Suprema Corte de nove juízes não julga assuntos que não sejam de ordem constitucional sendo muito rigorosa a este respeito – 90% dos casos que lhe são enviados são recusados, fazendo assim valer as decisões de segunda instância ou da Suprema Corte Estadual. Legisla mais pelo que não faz do que pelas suas decisões. Os seus membros não participam de entrevistas, programas de radio e televisão, não se encontram com o chefe do executivo e não fazem lobby com lobistas conhecidos do setor privado para terem sua indicação feito pelo Executivo, aprovada pelo Congresso. É uma questão de ética. Julgar ‘Habeas Corpus’ no STF é simplesmente uma aberração.

      O que Trump está fazendo é uma mudança radical na vida Americana para as próximas décadas: alem de eventualmente poder indicar até três juízes conservadores para a Suprema Corte, está preenchendo todas as vagas existentes na Justiça Federal com juízes de pensamento conservador que como vitalícios, deverão dar uma guinada de 180 graus nas decisões até pouco dominadas pelos liberais democratas.

      As Supremas Cortes Estaduais também não se manifestam em assuntos não Constitucionais do Estado, ficando mais focadas em assuntos de jurisdição constitucional dentro do Estado, deixando possíveis conflitos de juridisção entre os estados, para a Suprema Corte Federal decidir.

      Não existem a partir da segunda instância, decisões monocráticas ou de parte do colegiado. Assim nunca se tem a atual confusão brasileira de uma ‘turma’ decidir diferente de outra, casos semelhantes – mesmo porque pelo sistema ‘Common Law’as decisões semelhantes criam jurisprudência.

       O que mais impressiona no caos jurídico nacional onde casos semelhantes são cansativamente julgados novamente pela ‘enésima vez’, é a falta de uma consistência jurídica pela variedade de decisões inclusive frontalmente controversas. É profundamente preocupante a insegurança jurídica causada pelas diferentes vertentes no STF que expressas públicamente e passíveis de decisões parciais e até monocráticas, ora julgam de um modo, ora de outro.

      O caos jurídico chega a um ponto onde a população se acostumou a ver (e a aceitar) o fato que difícilmente os membros do STF se julgam impedidos por motivos de conflito de interesse. Tornou-se comum apadrinhados, parentes, conhecidos, antigos parceiros serem alvo de decisões dos nossos ‘ministros’ do STF. Nos EUA até promotores se declaram impedidos por algum conflito de interesse.

      A ‘cereja do bolo’ dessa insegurança jurídica reside na impunidade. Nos EUA após a condenação em primeira instância, o condenado é preso, raramente lhe é concedida a liberdade condicional sob fiança. Sua apelação para instâncias superiores (geralmente mais duas) é feita com ele atrás das grades. Não existe fatos lamentáveis como José Dirceu solto e sambando, mesmo condenado em segunda instância várias vezes, até que seja julgado na última instância – que no Brasil infelizmente é no STF, a QUARTA instância – refúgio certo da presunção de impunidade pela morosidade que resulta na prescrição do crime.  

      Nos EUA a Constituição é clara que todos têm o direito de serem julgados pelos seus pares e a presunção de inocência precede a culpa. Por isso, boa parte de todos os julgamentos civis, de familia, comerciais e criminais são com juri embora o acusado possa abrir mão deste direito pela decisão exclusiva do juiz de primeira instância. Ao contrário do Brasil, entretanto, a partir da condenação por seus pares, o acusado é culpado até prova contrária, que ele e seus advogdos devem produzir em instância superiores.

      Esses fatos inibem e muito as desobediencias civis, os crimes e as falcatruas. Não existe foro privilegiado, evitando assim as comédias de nomeações de última hora como recentemente no Rio de Janeiro e anteriormente entre Lula e Dilma (a única exceção é o Presidente da República que só pode ser processado com anuência do Congresso). E não existe segredo de justiça a não ser em assuntos de segurança nacional. Delações premiadas são permitidas e depoimentos comprovados são considerador suficientes para condenações. 

      Como confiar nas Instituições, na segurança jurídica se alem deste caos judicial, os direitos constitucionais mais básicos não são respeitados? As vezes temos a impressão que temos menos direitos reais do que os colonos americanos do século XVII! Qualquer propriedade rural pode ser invadida, destruida, arrasada sem que as forças de segurança tomem qualquer atitude ou o judiciário processe os perpetradores cujas lideranças são conhecidas de longa data.

O direito de defesa seja da propriedade ou pessoal também é cerceada na medida em que o desarmamento é imposto e o uso de seguranças armados proibido. Até as forças policiais estão sob controle quando seus membros são criticados quando combatem criminosos. Embora garantido pela Constituição, o cidadão brasileiro não tem a quem recorrer para defender seus direitos básicos de defesa, da família e da propriedade.

O dito ‘fenomeno’ Bolsonaro é assim como foi Trump nos EUA (por motivos diferentes) uma resposta da população cansada da falta de representatividade de um Congresso que só se preocupa ou escuta os eleitores a cada quatro ou seis anos, um Executivo que se dedica à sua sobrevivência política ou a uma permanência política e um Judiciário que se perde no seu auto conceito de superioridade e privilégios egocêntricos.

Enquanto o Brasil não resolver seu atual caos jurídico, suas resultantes Insegurança Jurídica e desconfiança nas Instituições, eliminando os privilégios e a falta de representatividade, de nada adiantarão mirabolantes planos econômicos ou os benefícios externos dos altos preços das commodities.

Continuaremos distantes do “Nós, o povo” e de Lincoln em Gettysburg – “Um governo do povo, pelo povo, para o povo”.

 

*Professor das Faculdades REGES.