Todas as culturas europeias tiveram, no período medieval, alguma versão do pelourinho. Nos países germânicos, era tipicamente formado por duas placas de madeira com buracos para cabeça e mãos. Na Ibéria, um pilar com correntes que amarrassem pulsos e canelas. Em comum havia o local: os pelourinhos ficavam no canto mais movimentado da cidade, quase sempre o mercado. Em comum, também, o uso. Serviam para exibir pessoas culpadas de crimes menores — calote nos impostos, uma pulada de cerca, fofoca. Um ritual de humilhação pública. Às vezes, eram açoitadas. Normalmente só levavam comida podre na cara, jogada não sem prazer por seus vizinhos. 
  
A internet está se tornando um pelourinho, segundo o escritor Jon Ronson. É uma boa metáfora.
  
Em 2012, dois programadores que faziam piadas bobas — e machistas — durante uma conferência foram fotografados por uma mulher que se sentiu ofendida. A imagem foi para o Twitter e causou a demissão de ambos. No ano seguinte, houve o caso de Justine Sacco. 
  
Ela era jovem e responsável pela comunicação social de um grupo digital de importância crescente. Tinha uma carreira de sucesso pela frente — e 170 seguidores no Twitter. Só 170. No dia mais trágico de sua vida, Justine se encontrava entediada no aeroporto de Heathrow, Londres, vindo de uma longa viagem que partira da Califórnia e a caminho doutra perna, para a África do Sul. Primeiro reclamou que o alemão a seu lado não usava desodorante. Daí fez uma piada com os dentes ruins dos ingleses. Esperou minutos fatídicos. “Indo para a África”, escreveu. “Espero não pegar aids. Brincando. Sou branca!” 
  
Meses depois, Justine explicaria que sua intenção era brincar com o estereótipo de um racista tacanho. Talvez seja desculpa, talvez seja verdade. Um de seus 170 seguidores era um jornalista conhecido. Retuitou. A bola de neve cresceu. A moça ainda estava dentro do avião quando se tornou o principal tema da rede no mundo. Alguns dos clientes de sua empresa manifestaram revolta. Virou crise. Seu chefe veio a público: Justine fora demitida. Ela dormia tranquila enquanto um universo de desconhecidos, ávidos, perguntavam: “ela já pousou?” Alguém foi ao aeroporto registrar o momento em que ela descobriria que, arrancada do anonimato, havia se tornado a pior pessoa do mundo na internet daquele dia. 
  
A onda de linchamentos virtuais não parou. Vários dos linchados mais recentemente são homens muito ricos, muito poderosos, que não se limitaram apenas a piadas racistas num momento de tédio. Harvey Weinstein, o produtor, será processado por violência sexual. 
  
Nem todas as vítimas da internet, porém, são culpadas de crimes. Uns têm ideias que os intolerantes à esquerda ou à direita querem calar. Outros praticam um humor que, de mau gosto há 20 anos, é intolerável hoje. Há, até, quem simplesmente tenha vacilado por nada de grave. 
  
Mas o ritual de humilhação pública é igualzinho ao de alguns séculos atrás. Quem se junta à multidão para jogar tomates podres ou mesmo pedras parte de uma convicção moral: tem certeza de estar do lado de um bem indiscutível e que o humilhado é culpado de um comportamento intolerável. O linchador tem ainda a certeza do anonimato. É um entre tantos, e se todos agem em bloco de um mesmo jeito, nenhum indivíduo pode ser culpado de algo repreensivo. 
  
Há uma terceira característica. É a do sadismo. Quem parte em conjunto e sem piedade contra uma única pessoa, seja conhecida ou não, lá no fundo tem prazer em ver o sofrimento, o aniquilamento. O prazer de ver alguém tendo sua vida destruída. 
  
Há uma diferença entre nós e os medievais. Nós sabemos que Justiça e multidões não combinam. 

*Jornalista