Muitas cidades do Brasil proibiram a prática arcaica e tão danosa para humanos e animais de soltar fogos com barulho, permitindo apenas fogos de artifício com efeitos visuais. No entanto, meus vizinhos parecem desconhecer totalmente os danos que ocasionam quando um rojão de forte estampido (como o que eles fazem uso normalmente) é acionado. Durante seguidos anos temos reclamado desse incomodo que acontece bem ao lado de casa.Para meus vizinhos, quase todos os dias é réveillon. Mesmo tendo recorrido à polícia, muito pouco se alterou até o momento.

Nessa virada de ano, graças a meus nobres vizinhos, a rua mais uma vez se transformou numa réplica da Síria, com bombas fortíssimas e grande quantidade de pólvora em suspenção pelo ar.

A queima de fogos, apesar de tradicional, não é interessante para todos. Rojões acordam bebês dormindo, assustam idosose pessoas em leitos de hospitais, ocasionam incomodo para pessoas com transtorno autista e microcefalia, para animais domésticos e silvestres (desorientam o voo das aves), e aumentam a poluição sonora e atmosférica das cidades. Assim como os humanos, alguns animais podem morrer de convulsão, ataques cardíacos, paradas respiratórias e outras complicações devido ao estresse causado pelo intenso barulho dos rojões.A ciência comprovou que os animais possuem ouvidos muito superiores à sensibilidade humana. Muitos animais da fauna silvestre morrem, têm a saúde afetada ou sofrem alterações no seu ciclo reprodutor devido a intenso barulho.

Enquanto o espetáculo de guerra acontecia ao lado de minha casa, meus gatos tinham taquicardia, salivação e tremores, e minha cachorra muito idosa convulsionava. Sem falar no stress provocado a uma senhora de mais de 80 anos, minha mãe. Há algo mais abjeto do que alguém soltar fogos de artifício em prejuízo das pessoas, animais e do meio ambiente? Senhor vizinho, qual seria mesmo o sentido de soltar bombas (a potência do estampido é absurdamente grande) a não ser para confirmar o vazio e a pobreza de sua cultura, assentadas na ausência de valores humanos incapazes de perceber regras fundamentais de convívio social e de respeito ao outro? Queridos vizinhos, a potência de suas bombas é inversamente proporcional ao tamanho da mediocridade instalada em seus cérebros.

Em Dracena, como em tantas cidades no Brasil, o poder público parece se arrastar na falta de perspectivas de avanços sociais e mais ainda no intuito de oferecer opções culturais inclusivas e que se encaixem nos traçados de sociedades modernas. Se a educação escolar falhou ao não garantir noções básicas de ética, cidadania e junto dessas, a noção básica de regras sociais, quais seriam as ações do poder público estadual e municipal em promover eventos que estimulem novos hábitos e valores na relação com o espaço público?

É chocante um adolescente, como o filho do meu vizinho, ter como grande diversão soltar bombas apenas para aterrorizar pessoas e animais e, o pior de tudo, com o aval dos pais, sem que estes se atentem para o fato de que existem outras pessoas no mundo e que elas podem se incomodar com o barulho!! É claro que o filho adolescente do meu vizinho não é o único, afinal, os pais são, muitas vezes, excessivamente permissivos e indiferentes a imposição de limites.

Vizinhos aprendam: respeitar a liberdade de cada um é questão de cidadania. Logo, a liberdade de um termina no exato momento em que começa a do outro.

Em alguns países da Europa e em diversas cidades dos Estados Unidos, para soltar fogos é necessário agendar previamente datas e locais junto ao poder público. A intenção é não causar danos à natureza e não incomodar pessoas e animais. Se o Brasil tem a intenção de se afirmar como uma nação ecologicamente sustentável, precisa proibir essa tradição arcaica que atenta contra o bem-estar de animais e do ecossistema e assim dar um passo em direção ao “processo civilizatório”, conceito esse utilizado pelo sociólogo alemão Norbert Elias.

Que em 2018 o bom senso vença a ignorância.

 

*Doutoranda no PROLAM-USP, autora do livro “Rubens Gerchman e o Brasil dos anos 60 e 70”, Ed. Alameda.