Estima-se que cerca de 70% da comida que chega às mesas das nossas casas é proveniente da agricultura familiar. Essa modalidade de agricultura tem relação direta com a segurança alimentar e nutricional da população brasileira. Além disso, impulsiona economias locais e contribui para o desenvolvimento rural sustentável ao estabelecer uma relação íntima e vínculos duradouros da família com seu ambiente de moradia e produção.

No Brasil, de acordo com o último Censo Agropecuário do IBGE, de 2006, 84,4% dos estabelecimentos rurais são de base familiar e ocupam 74,4% da mão de obra que está no campo. Apesar disso, propriedades familiares compreendem apenas 24,3% de toda a área rural do país.

O tamanho limitado compromete a viabilidade financeira desses estabelecimentos, uma vez que a escala de produção se torna um problema estrutural para esse agricultor. Estudos indicam que, em média, o valor bruto de produção mensal por propriedade familiar é de 0,46 salário mínimo, o que coloca grande parte dos produtores em situação de extrema pobreza. No Nordeste, por exemplo, 72% dos produtores não geram lucro suficiente no estabelecimento para elevar a mão de obra familiar acima da linha de pobreza. Inevitavelmente, essa realidade tem reflexo danoso na sustentabilidade dos estabelecimentos rurais familiares.

A inovação pode criar condições para a manutenção da viabilidade econômica das propriedades familiares e sua capacidade de se reproduzir como unidade social familiar, além de poder contribuir para a modernização do setor. Essa modernização passa pela capacitação, pelo uso de insumos adequados, de máquinas e equipamentos apropriados ao segmento e às condições dos agricultores familiares, como forma de permitir sustentabilidade e ganhos significativos de produtividade.

 É necessário desmistificar a crença de que o agricultor familiar busca, basicamente, a subsistência e, além disso, quebrar as barreiras que impactam sua transformação em empreendedor rural. Agricultores devem estar atentos ao modo como tomam suas decisões e devem identificar estratégias para organizar seu processo produtivo, com o intuito de agregar valor a seus produtos e maximizar a inserção nos mercados. Sob essa ótica, torna-se também importante criar estratégias que viabilizem diferentes formas de associação dos pequenos produtores, a fim de melhorar sua capacidade de negociar compras de insumos, bem como encontrar mercados mais estáveis para seus produtos.

Na região sul do país, por exemplo, onde existe uma agricultura familiar mais organizada, o setor gasta muito mais em insumos comprados, dispõe de mais capital e produz mais. Nessa região, de acordo com dados do último Censo (IBGE, 2006), a agricultura familiar consegue obter valor bruto da produção agrícola superior ao da agricultura não familiar, R$ 1.613,94/ha contra R$792,78/ha, respectivamente.

O agricultor encontra, cada vez mais, um consumidor mais exigente sobre a decisão de compra. Agora, em sua avaliação, esse consumidor considera um conjunto de fatores como preço e qualidade, origem, procedência, sustentabilidade, relação com o meio ambiente, com os colaboradores e comunidades participantes do processo. Assim, diferentes oportunidades se apresentam para o pequeno produtor. Uma delas é a exploração da biodiversidade em associação com indústrias. A biodiversidade é matéria-prima essencial para a bioindústria, e o Brasil conta com a maior diversidade biológica no planeta, com produtos e ativos potenciais que despertam interesse do mercado global, podendo-se citar a borracha, o cacau, a castanha-do-brasil, e inúmeros outros. Por isso, o país concentra possibilidades concretas para os agricultores familiares que, ao mesmo tempo em que são produtores de alimentos e outros produtos agrícolas, desempenham a função de conservadores da biodiversidade.

 

Outras possibilidades de acesso dos agricultores familiares a diferentes mercados abrangem nichos alternativos de comercialização, que demandam produtos com maior valor agregado. Dentre elas estão os produtos tradicionais, que atendem crescente demanda por produtos artesanais (slowfood) ou pelos aspectos éticos (fair trade), étnicos ou mesmo relacionados apenas com a sustentabilidade. A ampliação da presença da agricultura familiar fortalece movimentos vinculados à qualificação de produtos com indicação geográfica — aqueles com denominação de origem ou indicação de procedência —, contribuindo para o desenvolvimento do turismo rural relacionado à gastronomia. Muito comum na União Europeia, produtos com denominação de origem são alternativa para dinamizar atividades agrícolas tradicionais, principalmente as desenvolvidas em minifúndios ou regiões rurais fragilizadas economicamente.

Para viabilizar o aproveitamento dessas e de outras oportunidades, é necessário estimular a profissionalização e o empreendedorismo do agricultor familiar. Além disso, é importante garantir uma rede de suporte e de estímulo aos agricultores para que possam se sentir confortáveis e seguros no tocante à adoção de novas tecnologias, bem como na adoção de processos de gerenciamento de sua propriedade.

Agricultores familiares bem-sucedidos contribuem não apenas para o fortalecimento do desenvolvimento regional, mas também para a fixação do homem no campo, conferindo maior segurança, qualidade e oferta de alimentos, medidas que, em síntese, ampliam a sustentabilidade agrícola.

 

 

*Coordenadora do Programa de Agricultura Familiar da Embrapa