Ao assinar a sanção do novo marco legal do saneamento e vetar o trecho que garantia a renovação dos contratos das empresas estaduais do setor por mais 30 anos, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu, em um único gesto, impor uma derrota aos governadores e pavimentar uma nova crise na relação do Executivo com o Congresso. O dispositivo barrado por Bolsonaro – negociado pelo próprio governo durante a tramitação do marco – causou imediata reação dos Estados e de parlamentares, que prometeram empenho para derrubar o veto e retomar a proposta original.
O trecho suprimido por Bolsonaro foi crucial para derrubar resistências à nova lei do saneamento no Congresso. O Senado avalizou a proposta no último dia 24. O marco proíbe que os municípios fechem, a partir de agora, contratos sem licitação com as empresas estatais de saneamento, prática que dominou o mercado nas últimas décadas. Com isso, a iniciativa privada poderá entrar com força no segmento e trazer os investimentos necessários para a universalização, na avaliação do governo.
Essa concorrência, no entanto, vai de encontro ao interesse das estatais e, por isso, a possibilidade de renovação por mais 30 anos dos contratos atuais foi negociada para que a lei obtivesse apoio de bancadas até então reticentes em chancelar o novo marco, principalmente a do Nordeste.
A negativa do Planalto a essa regra pegou parlamentares de surpresa e, o que foi considerado um texto de consenso, agora poderá causar incômodo a Bolsonaro nos próximos meses. Ontem, durante sessão do Senado, o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), indicou que deve apoiar a derrubada do veto. “Se por parte do governo não houve a eficácia, houve um lapso da parte do Executivo, que eu reputo que não é certo, temos como corrigir aqui na sessão do Congresso Nacional e dar a resposta do que foi construído”, disse Alcolumbre.
Líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), lembrou que a medida vetada foi uma condição para deputados e senadores terem aprovado a proposta. Para o relator do novo marco do Senado, Tasso Jereissati (PSDB-CE), o governo deu um “tiro no pé” ao barrar as possibilidades de renovação dos contratos. “Vai virar uma polêmica inteiramente sem sentido”, disse.
Líder da segunda maior bancada do Senado, Otto Alencar (PSD-BA), também pressionou pela derrubada do veto. “Só aceitei votar o projeto por isso (pelo dispositivo que acabou vetado). Com o veto, o valor das estatais vai diminuir e vai facilitar a política de privatização do Guedes”, disse o líder do PSD.
Governadores
A possibilidade de Bolsonaro barrar o artigo já vinha preocupando governadores. Ontem, um grupo de 16 chefes de Executivos locais enviou carta ao presidente para pedir que o texto fosse mantido. Segundo eles, o veto causa insegurança, com consequentes ações judiciais que podem “estagnar o setor”. Além disso, na avaliação de especialistas, a supressão também pode afetar o valor das companhias em eventuais processos de privatização – que são incentivados no novo marco.
Apesar de não ter divulgado até às 19h30 desta quarta-feira a sanção da nova lei – com a íntegra e a justificativa dos vetos – o Planalto alegou em nota que o artigo estaria em descompasso com os objetivos do novo marco, que orientam a celebração de contratos de concessão, mediante prévia licitação, “estimulando a competitividade da prestação desses serviços”.
Ontem, o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, afirmou que Bolsonaro vetou ainda outros 10 dispositivos do texto. O Planalto, no entanto, divulgou a explicação de apenas dois deles, além do que trata da renovação dos contratos. Um deles, na prática, irá obrigar a licitação para serviços de resíduos sólidos e drenagem – o que já é cobrado para água e esgoto na proposta original. O outro trata da indenização de investimentos quando municípios não concordarem com a conversão de contratos de estatais que forem privatizadas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.