A variante sul-africana do coronavírus, conhecida como B.1.351, foi identificada pela primeira vez no Brasil, por meio de análises genéticas, em uma amostra coletada na cidade de Sorocaba (interior de São Paulo).
A descoberta foi feita por um grupo de pesquisadores reunidos em uma rede de vigilância genômica que monitora a disseminação do vírus da covid-19 no Estado de São Paulo, coordenada pelo Instituto Butantan e com participação da USP e outras instituições de pesquisa. A variante sul-africana preocupa os cientistas porque ela é mais transmissível e tem maior capacidade de fugir do sistema imune das pessoas infectadas.
A descoberta é descrita em artigo publicado como preprint (versão prévia de artigo científico), no site medRxiv em 4 de abril. O trabalho teve origem no estabelecimento de uma rede de vigilância genômica do vírus SARS-CoV-2 no Estado de São Paulo, integrando diversos laboratórios inclusive da iniciativa privada.
“O foco da pesquisa é o sequenciamento e obtenção de genomas do SARS-CoV-2 em diversas localidades do Estado, para desta forma entender a dinâmica de disseminação do vírus na população, assim como encontrar potenciais novas variantes”, explica ao Jornal da USP o pesquisador Rafael dos Santos Bezerra, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, um dos autores do trabalho.
“Isso já vem se demonstrando efetivo com o achado da cepa sul-africana encontrada na cidade de Sorocaba.”
Ao todo, os pesquisadores sequenciaram e geraram 217 genomas do vírus, a partir de uma coleta inicial de amostras em diversas cidades paulistas, entre as quais Sorocaba, Araçatuba, Marília, Taubaté, Campinas e Ribeirão Preto, além de munícipios das regiões da Grande São Paulo e Baixada Santista.
“Posteriormente classificamos cada isolado do vírus, conforme sua respectiva linhagem e caracterizamos o padrão de mutações”, descreve Bezerra.
“A fim de traçar o histórico evolutivo dessas sequências, executamos análises genéticas e, por fim, reconstruímos a história temporal do isolado da B.1.351, desta forma podendo estimar uma possível data de introdução da linhagem no país.”
Dos 217 genomas analisados, 64.05% eram pertencentes à linhagem P.1, surgida no Estado do Amazonas e identificada pela primeira vez no Japão, seguida pelas linhagens B.1.1.28, que era a de maior distribuição no Brasil e provavelmente originou a P.1, com 25.34% e a B.1.1.7, conhecida como variante inglesa do coronavírus, que apareceu em 5.99% das amostras.
“A linhagem P.2, também possivelmente originária da B.1.1.28, que é uma variante de grande interesse científico, foi detectada em apenas 0.92% dos casos. Isso demonstra um possível avanço da P.1 sobre outras linhagens que eram predominantes em São Paulo, como a B.1.1.28”, relata o pesquisador.
“Apesar da variante sul-africana ter sido identificada em uma única amostra, esse fato é preocupante por ela ter um comportamento muito parecido com o da P.1, apresentando maior transmissibilidade e escape do sistema imune.”
Segundo o trabalho, a linhagem identificada em Sorocaba compartilha 15 mutações com o isolado inicialmente caracterizado na África do Sul porém, não apresenta seis dessas mutações definidoras e tem em seu genoma nove mutações exclusivas.
“Entretanto, as análises genéticas demonstram a proximidade inegável de nosso isolado com a linhagem sul-africana, sendo que se agrupa com outras sequências deste mesmo tipo, mais precisamente com isolados da variante sequenciados na Europa”, aponta Bezerra.
“A origem do ancestral comum mais recente desta variante genômica foi inferida entre meados de outubro e final de dezembro de 2020. A análise das sequências geradas demonstrou a predominância da linhagem P.1 e permitiu a detecção precoce da cepa sul-africana pela primeira vez no Brasil.”
(Com informações: Júlio Bernardes/Jornal da USP)