Quase dez anos após ser preso sob acusação de latrocínio (roubo seguido de morte), José da Silva (nome fictício), de 29 anos, recuperou em junho sua liberdade ao ser considerado inocente pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJ-SP), em ação de revisão criminal movida pela Defensoria Pública de SP.
José estava preso na Penitenciária de Flórida Paulista, mas durante sua prisão, passou períodos também no Centro de Detenção Provisória de São José do Rio Preto e nas Penitenciárias de Presidente Bernardes e de Junqueirópolis.
Ele havia sido condenado a 23 anos e 4 meses de prisão, decisão que foi confirmada pelo TJ-SP e transitou em julgado (ou seja, já não cabia recurso) no final de outubro de 2006.
Segundo a denúncia do Ministério Público, José – que era réu primário – teria participado, ao lado de cinco outros homens, do assalto a uma loja na zona leste de São Paulo que resultou na morte do dono do estabelecimento, atingido por um tiro.
No pedido de revisão criminal, a Defensora Pública Maria Carolina Pereira Magalhães demonstrou que não havia no processo qualquer prova sobre a participação de José no crime. Ele fora condenado com base em meros indícios alegados durante a fase de inquérito policial e não comprovados judicialmente.
Nenhuma das quatro testemunhas-chave do processo reconheceu José como autor do crime: dois funcionários identificaram apenas três outras pessoas, que entraram na loja, e dois pedestres não reconheceram qualquer dos réus, pois os viram de costas.
O autor do disparo admitiu ter se encontrado no dia do crime com três outros réus para praticarem o roubo, mas não mencionou a presença de José. O carro de um quinto réu teria sido usado no assalto. A condenação de José se baseou apenas em supostos depoimentos de parte dos réus à polícia – que não foram confirmados no processo – e numa denúncia anônima.
A Defensora Pública Maria Carolina comemorou a absolvição na revisão criminal. “Esse é um tipo muito raro de decisão, especialmente considerando-se a gravidade em abstrato do crime e a extensão da pena aplicada e mantida após recurso. É uma vitória da defesa na luta pela aplicação do devido processo legal, pois a absolvição demonstra o reconhecimento pelo TJ-SP da ausência de provas produzidas em contraditório judicial para condenação de uma pessoa que, ressalte-se, já se encontrava presa há dez anos”, afirmou.
ENCARCERADO – José foi preso preventivamente em agosto de 2004, quando tinha 19 anos de idade e trabalhava como servente de pedreiro e ajudante de entregas. No dia 6 de junho de 2014, aos 29 anos, deixou a Penitenciária de Flórida Paulista – unidade prisional com capacidade para 844 pessoas mas abriga hoje mais que o dobro: 1.782, segundo dados no site da Secretaria de Administração Penitenciária paulista.
José conta que lá chegou a dividir com mais de 40 pessoas uma cela destinada a 12. “Calor insuportável, redes amarradas”, recorda-se.
No cárcere, José passava a maior parte do tempo jogando bola, vendo televisão e no trabalho como faxineiro ou costurando bolas. Também lia livros religiosos e de autoajuda sobre estresse e depressão, e chegou a cursar o ensino fundamental até a 8ª série.
Agora, com a liberdade recuperada, José tenta se adaptar à nova realidade fora das grades, de redes sociais e novas tecnologias, mas, principalmente, colocar a vida nos eixos. Já tirou RG e CPF novos. Falta o título de eleitor.
“Minha mente ainda não está boa aqui fora. Minha família até quer me ajudar a passar num psiquiatra. Tem coisas em que eu me perco ainda”, diz José. Ele conta que pretende voltar a estudar em 2015 e está fazendo pequenos trabalhos informais para ter algum dinheiro, tirar a carteira de habilitação e reconstruir a vida.