Ray Whelan chega na 18ª DP, na Praça da Bandeira (Foto: Marcos de Paula/Estadão Conteúdo)
O inglês Raymond Whelan, preso na tarde desta segunda-feira (7) por suspeita de fornecer ingressos num esquema internacional de venda ilegal na Copa, obteve um habeas corpus e foi solto na madrugada desta terça (8). O pedido foi feito por seus advogados por volta das 22h30. Whelan, principal executivo (CEO) da Match Services, empresa que detém direitos exclusivos sobre a venda de ingressos para a Fifa, estava preso no 18º DP (Praça da Bandeira), na Zona Norte do Rio de Janeiro, e deixou a delegacia por volta das 4h40.
A expectativa da Polícia Civil era que Whelan ficasse toda a madrugada na delegacia e, pela manhã, seria transferido para o presídio de Bangu. Ele foi preso no Copacabana Palace, na Zona Sul, por suspeita de ser um dos chefes de quadrilha internacional de cambistas que agia durante a Copa do Mundo no Brasil.
Com o inglês, a polícia encontrou 100 ingressos para os jogos. A prisão temporária de cinco dias, expedida pelo Juizado Especial do Torcedor, fazia parte da operação “Jules Rimet”, que já havia prendido 11 pessoas, incluindo o argelino Mohamed Lamíne Fofana.
De acordo com o delegado Fábio Barucke, que comanda a investigação, Raymond, também conhecido como Ray, era um “facilitador” para a quadrilha ter acesso a ingressos e teria sido flagrado em escutas telefônicas negociando ingressos com Fofana. Segundo a polícia, foram mais de 900 ligações.
Por volta das 17h40, o executivo chegou à 18ª DP, na Praça da Bandeira, responsável pelo inquérito. Ray seria enquadrado no Artigo 41 do Estatuto do Tocedor, por fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete. A pena para o crime é de até quatro anos de prisão. O passaporte dele foi apreendido.
Segundo o delegado, Raymond negou, em depoimento informal, qualquer participação no esquema. Até as 20h, seus advogados não haviam decidido se ele vai prestar depoimento formal ou se iria falar apenas em juízo.
Ainda seguno Barucke, ele negou que tenha amizade com o argelino Mohamed Lamíni Fofana e confirmou que a empresa fez um contrato de compra de vendas de ingresso com o argelino em maio de 2013. Raymond disse que não teve negociações com Fofana durante a Copa do Mundo. “Isso nós temos de prova. Foram 900 ligações durante o evento. Nós temos isso de prova e ele nega”, disse o delegado.
O crime que será imputado a Whelan é o de facilitar a distribuição de ingressos para venda de cambistas e associação criminosa por ter facilitado a venda de ingressos para o cambista. Nesta terça, será apresentada a prisão preventiva dos integrantes da quadrilha e a caberá à Justiça decidir quando ela será decretada.
A Match divulgou uma nota em que diz acreditar que os fatos vão mostrar que Raymond Whelan não cometeu nenhuma violação às leis brasileiras e afirma que a polícia chegou a conclusões precipitadas. A empresa diz que vai continuar a dar todo apoio às investigações.
Cem ingressos apreendidos
De acordo com a polícia, Raymond, de 64 anos, estava na área comum do hotel, tranquilo, quando foi abordado pelo promotor Marcos Kac. Os dois foram até o 5º andar, onde o CEO da Match estava hospedado. Ele não reagiu à prisão e negou que tenha ligação com o esquema de repasse de ingressos. Com ele foram apreendidos 82 ingressos para a Copa, R$ 1,3 mil dólares, um computador e um telefone celular, que serão periciados. A saída do hotel foi feita pela porta dos fundos, evitando a imprensa, que estava do outro lado, na Avenida Atlântica.
Segundo a polícia, Whelan morava no Rio havia dois anos, embora não fale português. Dois filhos do executivo moram na Barra da Tijuca, na Zona Oeste.
O G1 entrou em contato com a Match Services, mas não obteve. Mais cedo, portanto antes da prisão, a empresa divulgou uma nota informando que vai investigar as acusações e cancelar todos os ingressos comprados pela empresa do argelino Lamine Fofana. Na nota, a Match destacou que, até aquele momento, não havia acusação contra algum funcionário da companhia.
Em entrevista coletiva pela manhã, a Fifaafirmou que forneceu uma lista de telefone de todas as pessoas que estão trabalhando para a entidade no Brasil, entre elas funcionários e prestadores de serviço. Segundo a instituição, os responsáveis em desviar ingressos serão punidos, independentemente de quem seja.
Segundo a polícia, a quadrilha trabalhava com dezenas de números de telefone, com contatos no Brasil e no exterior, uma forma de estar sempre disponível para os clientes. As escutas da Polícia Civil feitas com a autorização da Justiça e exibidas no Fantástico neste domingo (6) mostraram que o chefe do esquema controlava a cotação dos ingressos no mercado clandestino mudando os preços diariamente (veja a reportagem no fim do texto).
Um dos homens flagrados na gravação da polícia é o argelino Mohamed Lamíne Fofana. Ele foi preso na terça-feira (1º) em um condomínio da Barra da Tijuca, na Zona Oeste da cidade. Ele se apresentou à polícia como empresário. No caderno encontrado com ele, anotações comprovam o esquema que ele comandava. Ao todo, eram 112 ingressos para várias partidas em camarotes vip, que poderiam render R$ 912 mil por jogo.
Nas gravações da polícia, Fofana conversava com um dos principais contatos dele no Brasil, Antônio Henrique de Paula Jorge, que também foi preso. Em outra página, anotações revelam que ele tinha pelo menos 25 ingressos vip para a final da Copa, cada um custaria R$ 51 mil, em um total de R$ 1,3 milhão.
Ligações telefônicas
A polícia descobriu 900 ligações de Fofana, feitas nos últimos dois meses, para um dos celulares de uso da Fifa no Brasil. A delegação da Fifa está hospedada no Copacabana Palace. “Quando as pessoas interessadas nesses ingressos ligavam pra ele, dizia que iria para o Copacabana Palace negociar para poder lá adquirir esses ingressos valiosos e transferir para os clientes”, afirmou o delegado titular da 18ª DP, Fábio Barucke.
Em uma gravação, Antônio Henrique disse que também recebe ingressos de seleções europeias. Outra seleção que daria os ingressos seria a seleção brasileira e o fornecedor estaria dentro da concentração da equipe, em Teresópolis, na Região Serrana do Rio.
“Essa pessoa se dizia ter fácil acesso a seleção brasileira, que seria de conhecimento de um jogador de futebol que ele iria lá na Granja para pegar os ingressos que a seleção teria recebido da Fifa ou da CBF a título de cortesia. Esses ingressos seriam captados pra entregar pra quadrilha pra poder vender para o público”, contou Barucke.
A CBF não quis comentar o caso porque não é parte da investigação. A assessoria de imprensa da entidade afirma que não circulam ingressos na Granja Comary, a sede da concentração da seleção brasileira. O diretor de marketing da Fifa disse em entrevista coletiva que a entidade está colaborando com as investigações.