A maior dúvida do país hoje é se Eduardo Cunha vai fazer uma delação, premiada ou não, e arrastar para o abismo o núcleo duro do governo do peemedebista Michel Temer. No médio e no longo prazos, porém, o que importa é saber se, antes tarde do que nunca, a prisão do nosso malvado favorito terá algum efeito pedagógico ou exemplar, ou seja, se de alguma forma contribuirá para melhorar os métodos e costumes políticos que imperam em Brasília. Será que o Cunha way of life que se estabeleceu por aqui nos últimos anos sobreviverá a seu suposto criador?
Sempre houve bandalha no Congresso. Troca de favores e cargos por votos, compra direta de votos e posições, requerimentos feitos para extorsão e chantagem, nada disso é novidade. Mas sou de um tempo em que cobríamos CPIs que investigavam de verdade, relatores de medidas provisórias que apresentavam pareceres com fundamentação técnica, votos ganhos com boas argumentações, feitas abertamente e às claras, da tribuna. Juro, isso acontecia. Sem sombra de saudosismo, havia, aliás, o saudável hábito de se ouvir discursos de líderes importantes do quilate de Ulysses Guimarães e Jarbas Passarinho no plenário.
Há uns dez ou quinze anos, quando o deputado cassado Eduardo Cunha iniciava sua trajetória parlamentar, havia, sim, condutas ilícitas, comportamentos lamentáveis, atos vergonhos no exercício do mandato parlamentar. Mas esses, quando descobertos e desnudados para a opinião pública, eram punidos e provocavam declarações de espanto e revolta – ao menos fingidas, diante dos holofotes.
Se há alguma coisa que a era Cunha trouxe ao Legislativo foi a naturalidade com que esses atos passaram a ser encarados, a amplitude com que os maus comportamentos foram disseminados, a dimensão dos malfeitos e a desfaçatez de seus autores. De certa forma, perdeu-se não apenas o decoro, mas a vergonha.
Ninguém encarnou melhor esse espírito de criar dificuldades para vender facilidades, e administrar o mandato como negócio próprio e rentável, do que Eduardo Cunha. Com inteligência privilegiada e muita ousadia, o então deputado ajudou colegas de partido e de Legislativo, mostrou serviço e formou uma bancada à sua imagem e semelhança. Com sua cassação, que se arrastou por quase um ano, o ex-deputado pode ter sido pessoalmente abandonado, mas seus ex-seguidores continuam lá. Não há nada que indique que o jeito de fazer política na Câmara tenha mudado.
O símbolo maior do jeito de se fazer política no Brasil foi preso e mandado para Curitiba na tarde desta quarta-feira. É um homem-bomba com potencial até para derrubar o governo numa eventual delação premiada que apontasse o canhão para seu partido, o PMDB, no qual exerceu função de tesoureiro informal. Pode ser que sim, pode ser que não. O que se diz é que os investigadores só aceitariam sua delação se ela trouxer fatos novos e bombásticos para a Lava Jato. Do contrário, preferem manter o malvado favorito preso em Curitiba. Afinal, a narrativa da operação precisa se encerrar com um vilão encarcerado.
Mas a melhor coisa que Eduardo Cunha poderia fazer pelo país hoje é contar, tintim por tintim, a história de todas as CPIs, medidas provisórias e projetos de lei que passaram pela Câmara dos Deputados nos últimos anos. Afinal, se eles não aprenderem com a experiência do colega, os eleitores podem aprender a não votar mais neles.

*Helena Chagas, é consultora de Comunicação. Jornalista desde 1983, exerceu funções de repórter, colunista e direção em O Globo, Estado de São Paulo, SBT e TV Brasil.