No atual dilúvio de delações e revelações, há os que tentam afogar sua decepção e revolta com promessas de nunca mais: nunca mais vou votar; PT, nunca mais; nunca mais para qualquer partido. E chovem generalizações: todo político é sem vergonha; o Brasil não tem jeito; democracia, uma ova.
Não compartilho tal radicalismo, pois dessa crise o País vai sair melhor. Mas, dentro dessa tragédia devastadora, resolvi sobrevoar esse lamaçal, para desafogo d”alma, passando do conteúdo político para algumas joias do texto gravado pelo tal Joesley, corrupto e corruptor, modelo também do falar errado e feio. Cito aqui só um exemplo: “”Pô, esse cara já era, tá doido””. Sei lá de quem ele estava falando, mas vejo aí três pontinhos típicos de quem não prima pela correção: pô, para exprimir espanto; cara, em lugar do nome pessoal, e tá, redução errada de está. Pode-se alegar que é assim o falar geral do brasileiro, mas da boca de um bilionário em declarações à justiça deveria sair algo mais cuidadoso. Falou como bandido que ele é.
Outro delator pegou mais leve. Ao contar como alguém operava a entrega de propinas e “”mensalidades””, brindou-nos com esta saborosa frase: “”tá dando alpiste pros passarinhos?”” É um jeito quase carinhoso de consagrar safadezas, mas pinta aí, novamente, o tá, e pior que isso, acompanhado pelo horrível “”pros””, substituto preguiçoso do “”para os””.
Saindo agora do falar grosseiro dessas pessoas chafurdadas no pântano, volto a atenção para o mundo bom da nossa casa e para o encontro despreocupado com algum amigo. O papo que a gente leva nesses casos vive também recheado de cincadas que arrepiariam gramáticos e gramaticões e nem por isso perdemos a liberdade de nos comunicarmos nem mesmo de jogar conversa fora, mas com dignidade.
A coisa mais natural do mundo, em nosso linguajar, é a displicência com que maltratamos certas palavras fáceis e insubstituíveis. Pego, por exemplo, a palavra você. Todos nós, quando nos dirigimos a várias pessoas presentes usamos o pronome no plural, vocês, mas ninguém fala, precisamente, vocês. Pareceria pedante e a gente diz vocêis, na maior naturalidade. Mais à vontade ainda, quando se corta o pobre você em “”e aí, João, cê vai ou não vai?””
Esse hábito de aplicar cortes em palavras e expressões caracteriza nossas conversas, descompromissadas com regras. Um exemplo interessante se tem na interjeição bem brasileira “”nossa!””, redução de “”Nossa Senhora””, para exprimir admiração ou espanto. Quanta “”nossa!”” deve ter ido aos ares neste país, com a divulgação das lambanças estarrecedoras da JBS!
Felizmente, o nosso português falado é livre, espontâneo e imprevisível, chegando até a inúmeras expressões extravagantes. Lembro aqui apenas “”chorar as pitangas””, usada como fazer choradeira, mas a coisa não é absurda, pois pitanga é termo tupi, que significa avermelhado e assim substitui o clássico “”verter lágrimas de sangue””, dito de quem chora tanto que acaba com os olhos da cor daquela frutinha.
No Brasil de hoje, o melhor não é chorar pela situação. Que o Judiciário cumpra suas obrigações, pondo Temer, Dilma, Lula, Aécio e outros, nos seus devidos lugares, que nós, zé-povinho, continuaremos trabalhando todos os dias, reconstruindo o que foi devastado.
*Mestre em Filosofia e Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e licenciado em Pedagogia