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Aprovada a “reforma” trabalhista, o momento é de recuperar o fôlego e, ao menos na frente jurídica, partir para a disputa pelo sentido das normas postas no texto da “nova” Consolidação das Leis do Trabalho – que, na verdade, estabelece regulação das relações de trabalho similar àquela vigente no século XIX.
Dentre esses novos campos de enfrentamento, talvez um dos mais importantes seja o do princípio da “intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva”, mencionado no parágrafo 3º do artigo 8º e no parágrafo 1º do artigo 611-A da “nova” CLT.
Dizem os referidos dispositivos que “No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva”.
O propósito da alteração legislativa é evidente: restringir ao máximo o exercício do controle de legalidade e de constitucionalidade de convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho pela Justiça do Trabalho.
Conjugado com o disposto no caput do artigo 611-A da “nova” CLT, segundo o qual “A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei (…)”, o “princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva” parece franquear ao poder econômico ampla margem de “negociação” para reduzir ou suprimir direitos dos trabalhadores, sem o risco de ver-se submetido ao crivo do Poder Judiciário.
E, neste ponto, o princípio concebido pelos legisladores que “reformaram” a CLT vai de encontro a direito fundamental de todo trabalhador e trabalhadora brasileira ou estrangeira residente no país, no sentido de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Ou seja, o princípio da “intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva” esbarra no limite da amplitude do acesso à Justiça, previsto na Constituição da República, de modo que a norma legal não pode se sobrepor a um direito fundamental estabelecido constitucionalmente. Ao contrário, deveria seguir a sua orientação.
Ainda segundo o novo princípio, o exame das convenções coletivas e dos acordos coletivos de trabalho deve restringir-se à conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, estabelecidos no artigo 104 do Código Civil.
Nos termos desse dispositivo, a validade do negócio jurídico requer, dentre tantas outras coisas, objeto lícito (inciso II). Por si só, isso permite, sim, que a Justiça do Trabalho prossiga exercendo o controle de legalidade e de constitucionalidade das convenções coletivas e dos acordos coletivos de trabalho.
Assim, o princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva pouco ou nada diz de relevante quanto à atuação do Judiciário Trabalhista frente a acordos coletivos e convenções coletivas de trabalho. Se o instrumento coletivo estiver de acordo com a lei, não haverá razão para a intervenção da Justiça do Trabalho; por outro lado, se estiver em desacordo, o Poder Judiciário não poderá deixar de apreciar lesão ou ameaça a direito.
Com a mais absoluta descaracterização da Consolidação das Leis do Trabalho, a Constituição da República deve assumir, em definitivo, na práxis judiciária, posição de vértice interpretativo do Direito do Trabalho pátrio.
Apesar da ampla desregulamentação havida, o Direito do Trabalho, como o conhecemos ainda hoje, permanece, em boa medida, na Constituição da República, e é a partir dela que os juristas verdadeiramente comprometidos com a promoção das condições de trabalho e de vida da classe trabalhadora brasileira devem começar a reconstruir este tão importante ramo do Direito.
* Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB)
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