As relações sexuais realizadas com uso de violência física, inclusive com a transmissão de doenças graves já tem sua tipificação no Código Penal brasileiro e, por isso, não é necessário que haja mais uma lei específica para a criminalização da transmissão do vírus HIV, disse hoje (14) Gustavo Menezes, da Coordenadoria de Assuntos da Diversidade Sexual da prefeitura de São Paulo, durante o seminário HIV e Direitos Humanos: A Criminalização e a Transmissão do HIV.
Menezes é contrário à implantação de uma lei que trate especificamente da punição de quem transmita o vírus intencionalmente.”Para nós é preocupante haver uma lei que criminalize a transmissão do HIV porque além de todos os estigmas de se relacionar com uma pessoa portadora do vírus, você adiciona mais um que é o de criminoso em potencial”, disse.
Ele defende que os movimentos ligados à questão se mobilizem para conscientizar a população de que não é necessário estabelecer uma lei com esse objetivo. “Precisamos conscientizar de que isso talvez não seja o ideal. Obviamente que a transmissão proposital pode acontecer, mas já há lei para isso. Fica também difícil a comprovação de que a pessoa tinha vontade de fazer com que o outro se contaminasse. Ainda que seja verdade fica difícil provar que é verdade. Tem que haver base substancial para que o juiz tome a decisão adequada”, afirmou.
O advogado Cláudio Pereira, do Grupo de Incentivo à Vida, disse que cada caso deve ser tratado individualmente, pois quando há uma relação estável, de carinho e afeição, é difícil afirmar que ali houve intenção de homicídio. Por isso a transmissão não poderia ser chamada de homicídio. Ele salientou ainda que é preciso observar também a responsabilidade do outro e sua obrigação de se proteger. “Não se pode jogar a responsabilidade nas costas do outro, mas não existe homicídio ou tentativa de homicídio na transmissão do HIV”.
O advogado da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Daniel Guimarães, afirmou que o direito penal não deve discriminar as pessoas por serem portadoras do vírus do HIV. Segundo ele, são raros os casos em que se percebe a intenção clara de contaminar outra pessoa, e que em grande parte das vezes a ignorância da pessoa deve ser levada em consideração e percebida com sensibilidade pelos juristas. “Muitas vezes o réu acredita que o HIV é uma doença muito mais difícil de ser transmitida do que ela é”, disse.
Ele citou como exemplo um caso no qual o réu, casado, havia tido relações com a esposa que não contraiu a doença e ainda teve um filho sem o vírus. Porém transmitiu a doença para uma amante. “Ficou clara a falta de intenção, já que havia todas as provas de que ele amava a pessoa com a qual já mantinha um relacionamento de mais de dois anos”.
Segundo Guimarães, existem alguns aspectos que justificam que a culpa não seja tutelada criminalmente, como o aspecto educacional. “Há pessoas que não tiveram instrução e nem sabem se expressar. Como vamos punir uma população que mal foi instruída. Com a criminalização podemos transformar a lei numa máquina de moer carne principalmente para uma parcela que é extremamente vulnerável”, disse.