A literatura foi a grande responsável pelo conceito sobre o Continente Latino-Americano e o reconhecimento da região pelo mundo. A avaliação foi feita hoje (5), em Paraty, pela escritora Isabel Allende, peruana, naturalizada chilena, um dos nomes de maior destaque da 8ª Festa Literária Internacional (Flip), que acontece na cidade, situada a 230 quilômetros da capital fluminense.

“Eu pertenço à primeira geração de escritores latino-americanos, que cresceu lendo outros escritores latino-americanos. Criamos o conceito de continente, em grande parte devido à literatura. O que não conseguiram os políticos, conseguiu a literatura. Hoje, os escritores latino-americanos escrevem sobre temas muito diferentes. Há muito menos política do que havia antes”, disse Isabel.

A escritora comemorou ainda o surgimento de novos nomes na literatura latino-americana que, segundo ela, vem mostrando um trabalho de qualidade. Isabel Allende vai lançar, durante a Flip, o mais recente livro de sua autoria A ilha sob o mar. A obra, que surge depois de três anos sem a publicação novos trabalhos, conta a história da escrava Zarifé, que emigra do Haiti para Nova Orleans, nos Estados Unidos.

“Minha primeira intenção não era escrever sobre a escravatura. Era escrever sobre Nova Orleans e quando comecei a pesquisa para o livro, descobri que chegaram a Nova Orleans milhares de refugiados que escaparam da revolta dos escravos no Haiti”. Segundo ela, esses refugiados eram colonos franceses que trouxeram escravos domésticos e compuseram uma classe social de negros livres em Nova Orleans”, explicou a autora.

Para Isabel, que coleciona entre seus 18 livros publicados em mais de trinta idiomas, obras de história e de ficção, a nova obra se enquadra entre os trabalhos que exigem a abertura do autor para o sonho e para as emoções. “Em A ilha sob o mar, por exemplo, não se explica o triunfo da revolta dos escravos do Haiti sem o vodu. A força espiritual do vodu uniu os escravos e lhes deu uma coragem sobrenatural”.

Entre as características mais citadas nas obras de Isabel Allende, estão a presença de personagens femininos fortes e de enredos envolvendo relações de poder e justiça. Segundo a própria autora, esse foco de interesse tem uma justificativa pessoal. “O interesse pelo poder e abuso do poder começou para mim em 1973, com o golpe militar do Chile quando, em 24 horas, eu vi o que era o poder da ditadura militar. Eles podiam fazer o que queriam. Eu tenho visto ao largo de toda minha vida. Eu não seria escritora hoje sem o golpe militar do Chile, que me obrigou a sair do meu país. Isso marcou minha vida, minha personalidade e minha escrita”, disse a escritora.

Isabel ainda falou sobre o feminismo. Conceito que, segundo ela, está desprestigiado. A autora chilena acredita que, apesar disso, “as causas do feminismo seguem valendo. As mulheres aqui [na Flip] têm liberdade, educação, acesso à saúde. Somos mulheres privilegiadas. Mas 80% das mulheres no mundo não vivem como nós. Nossa obrigação é lutar por elas. Feminismo é uma forma de ajudarmos umas às outras e não como uma guerra contra os homens”, concluiu.