Ainda em viagem pelo mundo com a turnê de A Arte do Barulho, Marcelo D2 coloca nas lojas seu novo trabalho, Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva.

O disco, mais do que um novo projeto profissional, é uma homenagem do rapper. Fã de Bezerra desde quando “era moleque”, conta, conheceu o sambista em 1994, e, desde então, a relação sempre foi próxima, até a morte dele, em 2005.

– O Bezerra foi um cara muito importante na minha vida, ele fez parte da minha infância, eu tocava [suas músicas] em casa. Fez parte da minha adolescência, nas nossas festas de moleque a gente botava um disco do Bezerra da Silva pra zoar, tinha aquele sarcasmo todo.

E, mesmo quando D2 resolveu seguir pelos caminhos do rap, o sambista era influência.

– Quando eu comecei a escrever rap, minha vontade era fazer rap como o Bezerra cantava samba. Queria fazer aquelas letras, com o social, o político, mas ao mesmo tempo com humor, sarcasmo, polêmica.

A admiração de fã se transformou em amizade em 1994, quando D2, então no Planet Hemp, chamou o sambista para uma participação com o grupo.

– Daí para a frente a gente ficou muito amigo. Eu frequentava a casa dele, o filho dele tocava comigo. A gente tinha uma relação sempre próxima, de 94 até o final da vida dele.

No velório de Bezerra, veio a ideia de fazer um disco com músicas dele, num “processo natural”. E a proximidade que tinham o deixou à vontade na hora de fazer seu tributo ao amigo.

– [Por exemplo] Eu sou um grande fã de João Nogueira. Mas o conheci muito no final da vida dele. A gente não foi grandes amigos. Depois que ele morreu, eu fiquei muito amigo da família toda. Mas com o Bezerra é uma coisa que está muito dentro de mim. O João Nogueira é um cara que eu sou muito mais fã do que próximo. O Bezerra é aquela coisa das músicas que eu sei cantar de cor.

O disco
No repertório, os sucessos foram privilegiados. Entraram 14 músicas. Estão lá hits como Bicho Feroz, Pega Eu, A Semente e Malandragem Dá um Tempo.

– Gravei 22 músicas. Eu podia fazer um disco de arqueólogo, ir lá buscar o lado B, mas eu quis fazer um disco do Bezerra da Silva mais próximo de mim, cantor de favela. O Bezerra daqui do Rio de Janeiro e não o Bezerra pernambucano [o sambista nasceu em Pernambuco]. A minha busca foi essa.

Na hora de entrar no estúdio, desde o jeito de cantar até o instrumental foram pensados na intenção de se manter fiel à obra do sambista.

– A primeira preocupação era: Vamos fazer tipo ‘À Procura da Batida Perfeita’, com beat? ‘Não, nem ferrando’. Seria um desrespeito com a obra do Bezerra. Tentei mexer o mínimo possível, deixar os arranjos muito próximos do que eram. Não mexer nos tons da música, e o tom dele era muito próximo do meu.

Tudo rolou em tom mesmo de homenagem, não de desafio.

– Isso [desafio] eu faço nos meus discos. Esse do Bezerra eu queria que as pessoas vissem que não é um disco do Marcelo D2, é um disco do Bezerra da Silva, em homenagem a ele. Meu papel ali é muito pequeno.

Nem a experiência de cantar durante um disco inteiro -pela primeira vez- foi encarada como um desafio. Sem aulas de canto nem nada do tipo, pegou os microfones. E, da primeira à última faixa, o rapper se mostra confortável na missão.

– Estou muito à vontade, são músicas que eu cantei a vida inteira. Não foi nada difícil. Acho que é o sentimento… o Bezerra também não tinha aquele vozeirão. Mas ele cantava com aquele sentimento todo, um contador de história, as músicas têm muita história, né.

O importante mesmo é chance de registrar sua admiração.

– Eu me sinto privilegiado por poder parar minha carreira e fazer um disco em homenagem a um amigo. Acho que poucas pessoas fazem isso e seria muito importante que nós, artistas mais novos, pudéssemos mostrar nosso amor pelos mais velhos. Eu aprendi muito com ele e com a galera do samba. Aprendi a ter respeito pelos mais velhos, respeito por quem realmente fez história.

Outros projetos
Com o tributo a Bezerra chegando às lojas, D2 deve levar para os palcos um miniturnê do disco, mas, ainda às voltas com shows pelo mundo de A Arte do Barulho -nesta quinta-feira ele segue para apresentações na Inglaterra-, algumas capitais devem ouvi-lo cantando sucessos do sambista em cerca de dez shows. Depois, o rapper quer férias.

– Não vou fazer muito mais do que isso. Fiquei dois anos em turnê. Com A Arte do Barulho a gente fez 22 países mais o Brasil inteiro. Todas as capitais.

Foi muito bom, ele diz, enumerando o vai-e-vem que fará até a próxima semana, entre Inglaterra, Irlanda e Salvador.

– Estou cansado. Preciso tirar umas férias, mas só depois do Carnaval.

A ideia é dar um tempo, e um novo disco de rap pode rolar enquanto estiver em Los Angeles, para onde está se mudando.

Antes disso, estará envolvido com as gravações de um filme sobre o Planet Hemp.

– A gente deve gravar no primeiro semestre do ano que vem, está bem pronto. É baseado, no bom sentido [risos], na história do Planet, na minha história com o Skunk [criador do grupo ao lado de D2]. A gente se conheceu muito do nada, eu estava andando na rua com a camisa do [grupo] Dead Kennedys, encontrei o cara, a gente foi melhores amigos durante dois anos, ele morreu antes de o Planet Hemp fazer sucesso, então é essa história aí, de sonhos, encontros, desencontros.

Mas antes que o fãs da banda se animem, achando que essa pode ser a deixa para um “revival” do grupo, o músico já adianta que acha isso difícil.

– Eu acho tão chato banda que acaba voltar. Acho meio difícil. Os fãs perguntam pra caramba, mas eu acho um saco banda que volta. Eu não vou ver o Rage Against [o grupo Rage Against the Machine, que faz show em outubro no Brasil] porque eu acho que a banda já acabou. Acho legal, mas já vi lá nos anos 90, agora é uma banda velha que voltou, sei lá, eu acho um saco…