Prefeito da Congregação para os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica, no Vaticano, Dom João Braz de Aviz não se surpreendeu com o sucesso da visita do papa Francisco ao Brasil. “Em Roma, a gente vinha notando o crescimento da presença do povo na praça de São Pedro”.
O cardeal acompanhou a passagem do papa pelo Rio e Aparecida. O que mais chamou a sua atenção, justamente, foi a ligação dos jovens com o papa. “Eles querem se identificar com ele”, diz.
Em entrevista ao UOL, Dom João Braz de Aviz contou que o papa teve a ajuda de um monsenhor carioca, no Vaticano, para usar, durante a viagem, expressões tipicamente brasileiras, como “botar água no feijão”. Veja abaixo a conversa:
UOL – Se fosse possível resumir, qual foi a importância desta visita do papa ao Brasil?
Dom João Braz de Aviz – Foi a primeira viagem internacional dele. Nesse sentido, era uma espécie de ver a prova, de contato dele com o país, o primeiro contato de uma nação católica com um papa do continente. Um papa que tem um pouco o nosso estilo, esse espírito latino-americano, também, que é muito prático, muito atencioso, muito afetuoso. Isso tudo nós vimos no papa. Foi também o primeiro grande contato de Francisco com os jovens. Impressionou muito a riqueza deste contato. O carisma do papa no diálogo com os jovens.
UOL – Foi um teste?
Aviz – Digamos assim, como era a primeira experiência, havia muita expectativa e essa expectativa foi preenchida. A imagem que ficou foi muito boa. Muito boa.
UOL – Não se sabia que era tão forte o carisma do papa com os jovens? Essa viagem foi a possibilidade de ver isso?
Aviz – Foi uma possibilidade de ver isso, sim. Mas em Roma nós sabíamos que ele tinha uma grande capacidade de entendimento com as grandes multidões. Eu moro praticamente na praça de São Pedro, do lado. E a gente vinha notando o crescimento da presença do povo na praça. Seja na quarta-feira, na audiência que ele faz, seja no domingo para o Angelus. Ele fala de uma maneira muito suave. É uma pessoa que não julga ninguém. Ele parte dos princípios do Evangelho, só que faz considerações muito profundas, muito autênticas. Ele é o primeiro testemunho daquilo que ele diz, o que tem muita força.
UOL – Qual foi o ponto alto, na sua visão, da visita do papa ao Brasil?
Aviz – Tive a impressão de ver uma Igreja cheia de alegria e esperança. Isso para mim foi uma marca muito forte. A resposta dos jovens ao papa, eu nem chego a entender como é isso. Como eles entendem tão profundamente uma pessoa anciã como o papa? Querem se identificar com ele. O resultado é essa experiência da alegria. Em Roma, é a mesma coisa, na praça de São Pedro, o mesmo teor de alegria e simplicidade. Essa esperança que o papa desperta e a alegria que ele ajuda a construir, a dar novo animo à Igreja. Eu acho isso muito importante para a Igreja neste momento.
UOL – Quem ensinou para o papa essas referências sobre o Brasil, tipo “botar água no feijão”?
Aviz – (risos) Gostei muito que ele usou essas expressões bem vivas, bem nossas. Isso ajuda muito. Ele tem um assessor para a língua portuguesa. Dois monsenhores, um português e um brasileiro. O que sugeriu estes termos foi o monsenhor Bruno. É daqui do Rio, mas mora em Roma.
UOL – O que o senhor achou da referência à própria Igreja que ele fez, num de seus discursos, dizendo: “As nossas incoerências fazem Jesus sofrer”?
Aviz – Ele fez aquela consideração… Uma imagem que eu nunca tinha pensado. Quem toca na cruz, deixa algo na cruz e traz algo da cruz para ele. Achei muito interessante. Uma das facilidades que o papa tem é de reconhecer os próprios erros. A última palavra dele, lá no aeroporto, foi: “Por favor, rezem por mim. Eu preciso.” Essa maneira de ele se sentir quase um carente de orações, porque ele é pecador, isso é uma coisa muito bonita, de uma transparência muito grande.
UOL – Como o sr. viu a referência que o papa fez à chacina da Candelária?
Aviz – Ele tem uma marca muito forte a partir da visão do Evangelho de São Mateus, capítulo 25. O nosso julgamento será sobre o nosso amor aos pobres. Ele viveu sempre como pobre, e ele fez muitos gestos neste sentido aqui. A visita a Manguinhos foi nesse sentido, assim como a visita ao Hospital São Francisco. É um homem que está perto dos que sofrem. Ele, às vezes, fica uma hora depois da audiência com os doentes que são trazidos lá. Ele toca, ele mostra amor. Uma visão esplêndida. Essa atenção ele tem. E ele simplifica a vida. Estruturas muito complicadas ele não gosta. Mesmo o nosso trabalho em Roma está sendo muito simplificado.
UOL – Por exemplo?
Aviz – Para se chegar ao papa, a gente tem que passar por muita gente, às vezes, dez, doze pessoas. Hoje, no caso nosso, que trabalhamos com ele, a gente avisa a secretária que tem audiência com ele, ela avisa ao secretário do papa, a gente espera o secretário, subimos juntos no elevador e o papa já está esperando no elevador. É uma coisa muito simples, muito direta. A porta do quarto dele já está aberta, ele senta numa cadeira normal e a gente começa a conversar. Ele tem uma coisa muito bonita que é acreditar profundamente nas pessoas. Quem de nós tem uma responsabilidade, ele dá toda a responsabilidade. Isso agiliza muito as coisas.
UOL – Qual é o sentido da mensagem: “Saiam às ruas, como fez Jesus”. E também: “Se a Igreja não sair às ruas, ela se converte numa ONG”?
Aviz – Não é apenas para as pessoas procurarem o Evangelho. O pregador, quem tem a missão de proclamar o Evangelho, não pode ficar acomodado dentro da Igreja e abrir a porta e deixar o pessoal entrar. Não! A porta é aberta também para o pastor sair e encontrar suas ovelhas, seu povo. É um estímulo a todos nós, para não pararmos numa Igreja que olha só para si mesma.