Rodrigo Capote/UOL

As primas Ana Beatriz Domingues Fernandes (calça rosa) e Beatriz Fernandes Zamplonio cercadas de seus brinquedos e produtos Monster High

As primas Ana Beatriz Domingues Fernandes (calça rosa) e Beatriz Fernandes Zamplonio cercadas de seus brinquedos e produtos Monster High

Assim que começou a ser exibido no Brasil –em 2010, pelo SBT–, o desenho animado “Monster High” fez sucesso imediato com a criançada. Uma das razões é o fato de mostrar o terror sob uma nova perspectiva: as aventuras de um grupo de adolescentes filhos de monstros famosos, como Drácula, Frankstein e Lobisomem, na escola.

Outro motivo é que as personagens –a turma também tem meninos, mas as protagonistas são do sexo feminino– são estranhas e estilosas à sua maneira, com roupas de cores berrantes, sapatos exuberantes e possuem animaizinhos de estimação exóticos, como morcegos e cobras.

Segundo a Mattel, empresa americana que desenvolveu a linha de brinquedos Monster High, a mensagem principal do desenho é “O legal é ser diferente”. A metáfora dos monstros tem como objetivo ensinar as crianças a aceitar a diversidade e a respeitar o próximo, além de reforçar a mensagem de que as pequenas diferenças, que tornam cada pessoa única, devem ser celebradas.

Valorizar exemplos de beleza distintos em vez de mostrar um único padrão como o ideal vai na contramão de todo o histórico da boneca Barbie, também produzida pela Mattel, que passou a dividir a atenção das meninas com idades entre quatro e 12 anos com as Monster High.

A Mattel comercializa, em diversas partes do mundo, roupas, material escolar, fantasias, artigos de festa, esmaltes infantis, entre outros itens, com o logotipo da caveirinha com laço rosa, que identifica os produtos Monster High. Mas são as bonecas, com preços a partir de R$ 89,90, que mais atraem a garotada, apesar da estranheza inicial que causam, principalmente, a alguns adultos.

Outros, no entanto, ficam fascinados com a riqueza de detalhes das bonecas e com a possibilidade de que suas filhas explorem brincadeiras diferentes daquelas de sua infância. É o caso da gerente de relacionamento Alessandra Mantovani Domingues, 37 anos, de São Bernardo do Campo (SP).

Mãe de Ana Beatriz, 4, ela vê com naturalidade o encanto da filha pelas personagens –em especial por Draculaura, a vampira da trupe. A menina compartilha com a prima Beatriz Fernandes Zamplonio, 6, e com as amiguinhas da escola a paixão pelo universo Monster High.

“As crianças são inocentes e somos nós que acabamos criando certos medos ou desconfianças nelas. A filha do Drácula, por exemplo, é uma garotinha do bem, que não faz mal a ninguém, muito pelo contrário, valoriza as amizades e os momentos com as amigas”, afirma Alessandra.

Vaidade precoce

Não dá para desconsiderar o apelo da mídia e o fato de que, apesar de tão diferentes, as Monster High contam com o atributo mais criticado nas Barbies: o estímulo à vaidade.

A relações-públicas Tatiana Fanti, 30 anos, de São Paulo (SP), concorda que as roupas fashionistas demais e a maquiagem carregada das personagens pode representar um fator negativo.

“Algumas crianças podem supervalorizar isso. Outra coisa que me incomoda é o clima de paquera e os beijos que aparecem em alguns episódios”, diz Tatiana. Mãe de Maria Eduarda, 5, ela conta que a filha tem bonecas e apetrechos escolares Monster High, mas ela não incentiva o gosto. “Criança é cíclica, cada hora se apega a uma determinada coisa. Não proíbo, mas tento acompanhar de perto as brincadeiras.”

Medo

A psicanalista Isabel Kahn, da PUC de São Paulo, diz que a abordagem bem-humorada de Monster High do universo do terror é benéfica para o público infantil. “Acho positivo que as crianças tenham esses brinquedos para ajudá-las a elaborar o medo e a expressar suas emoções”, afirma.

Para Fernanda Roveri, doutoranda em educação pela Unicamp, professora de educação infantil e autora do livro “Barbie na Educação de Meninas: do Rosa ao Choque” (Ed. Annablume), o foco das Monster High é muito mais propagar um jeito fashion de ser adolescente do que propriamente tratar da relação da criança com o medo.

“Veja, por exemplo, a publicidade de uma das bonecas monstruosas: ‘lindas roupas com brilho’, ‘ser assustadora é questão de estilo’ e ‘assustadoramente divertido’. Não é o medo e o terror que estão em questão. Vejo esses novos brinquedos como uma necessidade de renovação da indústria nos detalhes”, fala.

Co-autora dos conceituados livros “Fadas no Divã: Psicanálise nas Histórias Infantis” e “Psicanálise na Terra do Nunca: Ensaios sobre a Fantasia”, ambos em parceria com o marido, Mario Corso, e lançados pela editora Artmed, a psicanalista Diana Lichtenstein Corso afirma que o medo é um importante instrumento para organizar o mundo.

De acordo com ela, por meio do sentimento, classificamos o que é perigoso e o que é seguro. Paradoxalmente, a paz e o bem-estar dependem de que o medo demarque os territórios em que ele está ausente ou presente.

“As crianças contemporâneas têm preservado com muito carinho seu gosto pelo susto, assim como pelo monstruoso. O ogro verde Shrek, por exemplo, mostrou que ser feio pode ser bonito, que o que dá medo pode ser interessante e que as pessoas de verdade fazem pum e isso não as torna monstruosas”, declara Diana.

Para a psicanalista, as Monster High são uma mistura de todos esses elementos: o susto, os diferentes padrões de beleza e de comportamento.

Segundo a psicóloga infantil Daniella Freixo de Faria, outro ponto positivo é a oportunidade de a criança entender que cada pessoa tem o seu próprio jeito de ser e que a troca de experiências decorrente disso é enriquecedora. “Além disso, esses brinquedos geram a reflexão de que todo mundo tem um lado bom e outro mau”, diz a especialista.