Elogiar o próprio filho, celebrar seus talentos, ficar feliz com seus acertos e se orgulhar de suas qualidades é uma das delícias de ser pai e mãe. Impossível não se envaidecer ao ver sua criança ou adolescente conquistar um objetivo após batalhar por aquilo ou se destacar em uma área na qual tenha interesse.
Muitos pais, no entanto, têm perdido a medida dessa alegria. Cobrem seus filhos de elogios constantemente e os tratam como se fossem perfeitos, fazendo todas as suas vontades, na ilusão de que a conduta fortalecerá sua autoestima e fará deles indivíduos corajosos e confiantes.
Essa educação vem criando gerações de “príncipes e princesas” cheios de si que, apesar de se verem como seres únicos e impecáveis, são, na verdade, frágeis e não estão preparados para enfrentarem as dificuldades da vida adulta. Uma grande quantidade de filhos criados nessas condições passa agora pela adolescência e os resultados começam a ser vistos com mais clareza.
Para a psicóloga Vera Blondina Zimmermann, coordenadora do Centro de Referência da Infância e da Adolescência da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), trata-se de um movimento de oposição ao tipo de educação que prevaleceu no século passado.
“É resultado das décadas anteriores, nas quais a educação era muito rígida. O uso da força, da violência, a falta de liberdade de escolha do século passado criaram gerações que tomaram o veneno oposto. Com a ideia de que a educação com o ‘não’ traumatiza, surgiu um conceito falso de que uma criança reprimida seria infeliz”, diz a psicóloga Vera.
A psicopedagoga Irene Maluf culpa também uma interpretação equivocada de conceitos da psicologia. “As pessoas entenderam errado algumas questões da psicologia. Começou a ser dito que as crianças não podiam levar bronca, não se podia apontar defeitos, só se devia elogiar porque isso levanta a autoestima. Mas, na verdade, isso levanta uma autoestima falsa.”
Soma-se a isso uma nova concepção de educação, que coloca a criança como o centro de atenção da família. “Ela passa a ser elogiada, valorizada e exaltada por tudo o que faz, ainda que sejam tarefas cotidianas. Aprende que não precisa fazer muito para ser recompensada. Dessa forma, não exercita a tolerância, a empatia, a colaboração espontânea e a capacidade de adiar a satisfação, características tão necessárias para o convívio em sociedade”, afirma Sandra Ribeiro de Almeida Lopes, psicóloga especialista em adolescência da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.
Em seu consultório, Irene conta ter testemunhado, mais de uma vez, pais fazerem elogios desproporcionais aos feitos de seus filhos. “Se eu digo, o dia inteiro, que você é linda, inteligente e maravilhosa, você cristaliza na posição em que está. Porque em time que está ganhando não se mexe. A criança congela e não amadurece”, declara a psicóloga.
Fragilidade
Para os especialistas, essas atitudes têm o efeito oposto ao desejado pelos pais. Em vez de fortalecer o filho, elas estão, na verdade, deixando-o frágil e incapaz de agir em sua própria defesa. Ele cresce sem conhecer a frustração ou a necessidade de batalhar por seus ideais e acredita ser merecedor de privilégios que, no mundo real, não virão.
Segundo a psicóloga Sandra, pessoas com uma autoimagem muito elevada apresentam também excesso de confiança e uma avaliação pouco realista de suas condições. Como consequência, têm dificuldades de aceitar críticas e fracassos. Além disso, sua interpretação das situações virá sempre por um viés de perseguição e injustiça, uma vez que o problema nunca está com elas. A culpa é sempre do outro.
“São pessoas que têm muita dificuldade de fazer um projeto de vida coerente e sustentável”, diz Vera Zimmermann, da Unifesp. “Ela pode ser muito inteligente, mas não sabe cair e levantar, então, não consegue construir nada. Faz um projeto, mas não tem a mínima condição de sustentar a luta por esse ideal.”
Para a psicóloga, isso pode se manifestar desde a infância, na vontade de fazer atividades e cursos que, no primeiro obstáculo, são abandonados. Na adolescência, pode aparecer, por exemplo, na falta de empenho para estudar a sério para passar em um vestibular para o curso sonhado.
Na escola
Essa postura dos pais não se encerra dentro de casa e acaba encontrando respaldo também nas escolas, ampliando o problema. “Os pais hoje são vistos pela maioria das escolas como clientes, então, ninguém se opõe, ninguém diz para a criança que, ao contrário do que os pais dela falam, ela é igual às outras e não sabe nada da vida ainda. As escolas não fazem isso porque os pais não admitem”, diz a psicopedagoga Irene.
A terceirização da educação, cada vez mais comum entre pais ocupados que delegam toda a criação de seus filhos aos professores, também enfraquece a instituição. Vera diz acreditar que as escolas não são capazes de educar sozinhas as crianças de famílias que não conseguem dizer “não” e impor limites. “O aluno só respeita o professor se ele respeitou o pai e a mãe.”
“Os pais têm se esforçado para oferecer aos filhos a melhor educação formal, com boas e caras escolas, na intenção de garantir a eles um futuro promissor, mas se esquecem que a formação do indivíduo se dá dentro de casa, por meio dos valores, dos princípios e, principalmente, das atitudes adotadas por eles mesmos”, declara Sandra.
Quando elogiar
Para mudar essa tendência, deve-se começar pelos adultos. Para a psicopedagoga Irene Maluf, muitos pais e mães de hoje já demonstram essa pouca disposição para ouvir críticas e não admitem a possibilidade de que seus filhos não sejam infalíveis.
“São pessoas extremamente vaidosas e egocêntricas. Para esses pais, o filho é perfeito, então, como ele pode ter uma dislexia? Não pode, os professores e a escola é que são ruins.” Segundo a especialista, se os adultos não conseguem enxergar as imperfeições de seus filhos, eles precisam parar para pensar.
Ao educar, os pais devem ter sempre em mente que sua função é preparar o filho para ser independente e forte ao longo da vida, longe do conforto da família. A psicóloga Vera Blondina Zimmermann aconselha que eles questionem, no dia a dia, como atender a um desejo do filho vai colaborar para que ele ganhe força para conseguir as coisas que quer quando se tornar adulto.
Não é proibido elogiar os filhos. Pelo contrário, o aplauso, nos momentos certos, é essencial para a construção de uma autoestima saudável, mas precisa ser feito de forma realista e quando o filho realmente merecer esse reconhecimento.
Além disso, Irene Maluf afirma que o elogio a uma criança ou a um adolescente deve ser direcionado ao que foi realizado. “Devo falar para o meu filho ‘adoro você, mas mentir é péssimo e, se você fizer isso, vai ter um castigo’ ou ‘você foi muito bem na escola, vi você se esforçando e deu resultado, parabéns'”, diz.
Segundo a psicopedagoga, para ter uma autoestima saudável, os filhos têm de saber que os pais os amam incondicionalmente, mas que suas boas ações serão elogiadas tanto quanto seus erros serão criticados.