Um fantasma rondava ontem o Shopping Internacional de Guarulhos, o fantasma do funk. O medo era de que se repetissem as cenas de pânico e correria, vistas no sábado, quando centenas de adolescentes, concentrados em uma das portarias, entoaram em uníssono uma espécie de hino de guerra, enquanto avançavam para dentro do centro de compras.

O hino era o funk com o inocente título “Deixa Eu Ir”. Mas a letra, de MC Daleste, já esclarecia a intenção de “causar”: “Eita porra que cheiro de maconha”, repetiam os meninos, batendo palmas, emendando que “os moleque (sic)” das zonas sul, norte, oeste, leste, da Baixada Santista e do interior “gosta mais do que de lasanha”. 

Dentro do shopping lotado, decorado com miniaturas do Partenon grego, da Torre de Pisa, do Coliseu, bonecos animados de renas e Papai Noel embalavam as compras de Natal –em total desacordo com o “cheiro de maconha”.

Seria um arrastão? Saque? Quebra-quebra? Helena de Assis Pregonezzi, 55, empresária do ramo de caminhões de mudança, jurava ontem na praça de alimentação lotada ter visto jovens com revólveres. “Tem de proibir esse tipo de maloqueiro de entrar num lugar como este”, discursava entre garfadas na pizza de picanha com Catupiry.

A PM rapidamente interveio e deteve 23, mas depois de um chá de cadeira no 2º Distrito Policial de Guarulhos, todos foram liberados de madrugada, sem acusação. O shopping, em nota, disse que nada foi roubado.

Mesmo assim, o contingente de seguranças, ontem, estava dobrado: passou dos 40 previstos nesta época do ano para 80. Um carro da PM estacionou na entrada do shopping. Lojistas orientaram os vendedores a abordar qualquer grupo de jovens que se demorasse defronte à vitrine, a fim de sondar as intenções deles.

CURTIÇÃO

Mas, fora da letra da música, não se viu maconha nenhuma na concentração que os jovens fizeram no sábado.

A polícia não fez nenhum boletim de ocorrência por porte, tráfico ou consumo de substância ilícita. Segundo a auxiliar de logística Mayara Lima, 18, tudo o que os jovens pretendiam era “zoar”, se exibir, curtir, mostrar que existem. “Se eles quisessem ter roubado alguma coisa, poderiam ter roubado, já que eram muitos” [300, segundo um segurança].

Adeptos do chamado “funk de ostentação”, são em geral garotos pobres tentando forçar a entrada no mundo do consumo, fingindo-se de íntimos do luxo.

As letras desse tipo de funk falam de jovens como eles, andando em carros Mégane, Citroën, Corollas, Camaros Amarelos (a que chamam de “naves”), bebendo champanhe e uísque, relógios Rolex no pulso, contando “plaquês de cem” (notas de R$ 100).

Ainda a anos-luz desse ideal, os meninos que assustaram o Papai Noel do shopping Internacional compareceram ao “rolê” convocado pelo Facebook com o traje a rigor de nove entre 10 funkeiros: boné da Quiksilver, tênis da marca Mizuno, bermuda, camiseta, anéis e colares de prata ou ouro, óculos escuros da Oakley.

Ontem à tarde, na porta de uma loja de tênis do shopping, um adolescente de 17 anos, usando boné QuickSilver de R$ 150, cobiçava na vitrine o Mizuno Wave Prophecy 3 de R$ 1.000. “Não, eu não aceito comprar um falso, pirata”, garantiu.

Trabalhador em um lava-rápido, ele ganha R$ 750 por mês, mas não se assusta com o preço. Faz parte da ostentação. Dois seguranças em seus rádios informavam toda a movimentação do rapaz.