Santiago Ilídio Andrade, 49, “era um cara bem alegre, que brincava com todo mundo” e que não gostava de cobrir manifestações. Foi assim que Edeilton Macedo, cinegrafista da Band há 13 anos, lembrou do colega durante o velório que acontece nesta quinta-feira (13), no cemitério do Caju, na Zona Portuária da capital fluminense, quatro dias depois da manifestação contra o aumento da tarifa de ônibus, no centro do Rio, na qual Andrade foi atingido fatalmente na cabeça por um rojão.

“Ele era muito precavido, cuidadoso, mas tinha até medo de cobrir protestos. E olhe que ele também cobria conflito em morros”, disse Macedo.

O cinegrafista conta que desde sexta-feira (7), quando chega ao prédio da emissora, olha para o lugar onde o colega e amigo costumava sentar quando estava na redação. “Não dá pra acreditar. Acho que minha ficha ainda não caiu”, disse. “Eu trabalhava no período anterior ao dele. No dia que aconteceu [6 de fevereiro], antes de chegar na Band, ele desviou do caminho dele para me dar carona e me deixar em casa.”

De acordo com a repórter Camila Grecco, também da Band, que está participando da cobertura do velório, Santiago “sempre se preocupava com a equipe”. “Se ele soubesse que estava numa situação de muito risco, ele jamais estaria ali”, declarou, entre lágrimas, a jornalista, que fez diversas reportagens em parceria com o cinegrafista.

Também amigo de Santiago, o repórter da Band Alexandre Tortoriello falou aos colegas que pediu para participar da cobertura do velório e da cremação do cinegrafista “em homenagem a ele”. “O momento mais difícil que eu tive na minha carreira foi anunciar ao vivo a morte do Santiago. Eu achei que não fosse conseguir, a voz embargou”, lembrou o jornalista.

Ao comentar a ação dos black blocs no caso, ele ressaltou que “não se pode fazer jornalismo com o fígado, e sim com a cabeça”. “É muito difícil se distanciar nesse momento, mas não dá pra querer vingança”, disse.

Já o diretor nacional de jornalismo da Band, Fernando Mitre, não poupou críticas aos chamados aos manifestantes. “Não se pode imaginar que um grupo de mascarados seja representante de alguma coisa legítima”, declarou. “Não vamos descansar enquanto não se fizer o jornalismo crítico que precisa ser feito. Tem que se descobrir o que está por trás disso”, afirmou.

O jornalista lamentou a morte do cinegrafista e disse que ela foi “uma tragédia que poderia ter sido evitada caso algumas providências tivessem sido tomadas”. “É lamentável que haja uma tragédia para se tome providências.”

Entre os jornalistas que foram ao cemitério do Caju, um dos assuntos mais recorrentes foi a falta de condições de trabalho adequadas enfrentada pelos cinegrafistas da Band no Rio de Janeiro. A falta de um auxiliar, que faz com que os cinegrafistas da emissora acumulem a função, e ainda tenham que dirigir os carros de reportagem, foram criticadas por muitos colegas de Santiago.

De acordo com o cinegrafista Edeilton Santos, Santiago era um dos funcionários que mais reclamava da ausência de assistente. “Já tem uns cinco anos que nós não temos assistente. Estamos brigando por isso”, afirmou.

A morte de outro cinegrafista da emissora, Gelson Domingos da Silva, em novembro de 2011, também foi lembrada. “O Gelson também estava sem auxiliar. É o segundo que morre assim em quase três anos. O Santiago sentiu muito a morte dele”, disse Edeilton.

O velório será aberto para profissionais de imprensa, amigos e público em geral até as 11h, quando a cerimônia será restrita apenas para família do cinegrafista. A cremação está prevista para acontecer ao meio-dia.

Alguns colegas de Santiago chegaram ao Cemitério do Caju vestindo uma camisa com um desenho do cinegrafista, sentado em uma nuvem com uma câmera no ombro e dizendo “uau, que ângulo”. Na parte de trás, uma mensagem de alerta: “Poderia ter sido qualquer um de nós”.

Entre os repórteres que participam da cobertura do velório, o clima também é de comoção. 

Santiago teve morte encefálica na manhã de segunda, após ficar quatro dias internado no CTI (Centro de Tratamento Intensivo) do Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio.

Na tarde de segunda, a família doou os órgãos do cinegrafista, conforme pedido prévio do cinegrafista.

PRINCIPAL SUSPEITO

Reprodução/TV Brasil

Imagens da “TV Brasil” mostram um homem de camisa cinza e calça jeans correndo pela Central do Brasil. Para a Polícia Civil, ele foi o responsável por acender o rojão

Prisões

Na madrugada desta quarta-feira (12), a Polícia Civil do Rio prendeu o homem suspeito de acender o rojão que atingiu Santiago, em Feira de Santana (BA), a cerca de 100 quilômetros da capital baiana, Salvador. O auxiliar de serviços gerais Caio Silva de Souza, 23, que fugia para a casa de parentes, no interior do Ceará, foi a segunda pessoa presa pelo envolvimento na explosão do artefato que vitimou o cinegrafista da Band.

No domingo (9), o tatuador Fábio Raposo, 22, que admitiu à polícia ter entregue o rojão para Caio, teve mandado de prisão temporária cumprido por policiais da 17ª DP (São Cristóvão), que investiga o caso. Os dois estão presos no Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, na zona oeste do Rio. Caio foi levado, nesta quarta, para a cadeira pública José Frederico Marques. Já Fábio está desde domingo na cadeia pública Bandeira Stampa.

De acordo com o delegado Maurício Luciano de Almeida, que preside o inquérito, os dois foram indiciados por homicídio doloso (quando há intenção de matar) qualificado pelo uso de artefato explosivo e crime de explosão, que somados podem resultar em pena de 35 anos de reclusão.