Levantamento exclusivo feito pelo UOL Notícias nas contas da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) mostra que os 94 deputados estaduais paulistas já gastaram nos primeiros três meses deste ano quase R$ 1 milhão em serviços gráficos e na postagem de correspondências dentro da chamada verba de gabinete.
Esse montante foi utilizado regimentalmente pelos parlamentares para a confecção de jornais, panfletos e demais materiais para divulgação das conquistas do mandato, assim como para o envio de cartas ou malas diretas para os eleitores do Estado. Tais ações, no entanto, correm o risco de ser ilegalmente usadas para propaganda política, como afirmam especialistas, já que muitos legisladores vão tentar a reeleição no pleito de outubro deste ano.
O cruzamento de dados foi feito com base na página de prestação de contas do site da Alesp na semana de 12 a 16 de abril. Foram tabuladas as informações dos 94 deputados, uma a uma, mapeando a utilização dos R$ 20.525 mensais colocados à disposição de cada político (mediante comprovação do uso em nota fiscal) para custear hospedagens, combustível, material de escritório e consultorias, além da produção gráfica e do envio de correspondências.
Em relação ao ano de 2009, a tabulação dos dados mostra que houve na Assembleia um aumento geral de 25% nos gastos especificamente com remessas nos dois primeiros meses do ano (os dados referentes à março ainda não estão fechados pois alguns deputados ainda não prestaram contas). Foram R$ 104.063 em janeiro e fevereiro do ano passado, contra R$ 130.313 neste ano, sendo R$ 78.919 somente em fevereiro -cifra suficiente para enviar mais de 75 mil cartas, pelas estimativas dos Correios.
O uso é concentrado em alguns gabinetes, já que quase metade da Casa alegou não ter aproveitado a verba para o serviço ou simplesmente não prestou contas. Na produção gráfica, igualmente houve aumento, mas em menor ordem: foram usados R$ 634.791 em 2009, e R$ 635.223 em 2010.
Os legisladores chegam a gastar individualmente mais de R$ 10 mil em correspondências. Carlos Gianazzi (PSOL) foi o campeão na utilização dos Correios em 2010. No total, foram R$ 18.796 nos meses de janeiro e fevereiro, valor suficiente para enviar mais de 15 mil cartas.
Linha tênue
Apesar de previsto em lei, o uso da verba de gabinete para divulgar feitos do mandato é uma prática envolta em polêmica. O jornal que Gianazzi encaminha para os eleitores, por exemplo, relata conquistas da carreira do político, mas não abre mão de críticas contra o governo estadual, indo além de uma simples prestação de contas com a população. Ele usa expressões como “farra dos pedágios”, “máfia da merenda” e “farsa da avaliação por mérito” nos títulos das supostas reportagens jornalísticas.
Para Silvio Salata, presidente da comissão de Estudos Eleitorais e Valorização do Voto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Gianazzi “teoricamente” extrapolou suas atribuições com o panfleto distribuído. “Essa verba não foi criada para que os políticos produzam campanha contra os inimigos. É uma violação dos princípios constitucionais”, classifica. “Dependendo da avaliação judicial, esse tipo de deslize pode ser enquadrado como improbidade administrativa”, afirmou.
Outros tipos de produção feitas com recursos públicos também são questionadas por advogados especializados. Na oitava colocação dos que mais gastam com correio, o deputado Ed Thomas (PSB) distribui – “em mãos” – um jornalzinho mensal em que divulga as ações de seu mandato, também custeado com dinheiro dos cofres públicos.
Logo na capa do periódico, no entanto, o texto traz passagens que extrapolam a prestação de contas. Entre as colocações que se destacam, estão várias informações sobre sua carreira política. Sob o título “Um mandato que faz diferença”, o parlamentar se descreve positivamente em 31 linhas seguidas, afirmando que age “com respeito, gratidão e seriedade” e que, sendo um “aclamado cidadão prudentino, teve a história alicerçada por Deus, em sua família e trabalho”.
Para Salata, o jornal pode hipoteticamente ser considerado uma promoção pessoal ilegal, já que as adjetivações não podem ser comprovadas. “Contraria os princípios da impessoalidade. A pessoa não pode falar apenas de si. O mandato é do povo e os deputados não podem ficar se enaltecendo com dinheiro público”, sustenta.
Imprecisão e imparcialidade
O deputado Reinaldo Alguz (PV), por sua vez, aparece como sétimo colocado na classificação dos parlamentares que mais usaram recursos em correspondência em 2010, com R$ 7.338 em janeiro e fevereiro. Em serviços gráficos, ele já gastou R$ 7.139 neste ano. Com essa verba, como foi confirmado em seu gabinete, ele banca a produção de um boletim informativo que leva seu nome.
No panfleto de uma página, alguns textos explicam para os eleitores algumas vitórias do mandato, mas normalmente usando uma retórica imprecisa de difícil confirmação. Quando pretende mostrar seu trabalho em infraestrutura urbana, por exemplo, o parlamentar diz que reivindicou investimentos para “dezenas de municípios”, em atitude que teria levado asfalto para “muitas” ruas, sem dizer quantas.
Quando trata de segurança pública, um parágrafo do jornal explica: “delegacias foram equipadas, reformadas ou ampliadas em todo o Estado e solicitado o aumento de efetivo de outras”, sem mencionar qual foi a dimensão dessa ação ou a participação do político na conquista – e muito menos o resultado desse aumento de pessoal “solicitado”.
Para Everson Tobaruela, advogado especialista em direito eleitoral, os textos em geral pecam por inflar os feitos de cada legislador. “Como dá para saber quantas estradas foram asfaltadas? Cem? Uma?”, questiona. Como ele explica, sugerir projetos de lei ou solicitar melhorias pode não significar nada. “É muito comum um deputado anunciar várias ideias, mas todas inócuas, que nunca vão ser aprovadas ou que podem passar por tantas emendas que ficam irreconhecíveis, sem valor. Isso é enganar o eleitor, além de um gasto desmedido de recursos públicos”, diz Tobaruela.
Com informações de Arthur Guimarães do UOL Notícias em São Paulo