A mulher, apesar de ter obtido direitos políticos relevantes nesses 80 anos de conquista do voto, ainda tem participação muitas vezes limitada à chamada política leve, de acordo com a cientista política Andrea Azevedo Pinho, da Universidade de Brasília.

“Geralmente as mulheres são eleitas para trabalhos com temáticas relativas a questões de mulheres, como saúde da mulher, educação, com plataformas mais voltadas para o que se chama política leve, do que não está no cerne do noticiário político, como a economia, a infraestrutura”, ressaltou Andrea, que estuda a atuação das mulheres na política.

Segundo ela, características repassadas às mulheres pela sociedade, como fragilidade e docilidade, podem reforçar um estereótipo nem sempre positivo. “Quando as mulheres fogem desse padrão, elas são consideradas como a nossa presidenta [Dilma Rousseff] foi por muito tempo quando ministra: como mulheres muito duras, como mulheres que não têm a capacidade de negociar, mas é justamente o contrário. É justamente pela sua resistência, pela sua capacidade de buscar seus objetivos, que as mulheres estão nessas posições.”

Para Andrea, sistemas de governo como o argentino facilitam a atuação das mulheres no campo político, principalmente em cargos do Legislativo. Lá, homens e mulheres se alternam como candidatos em listas fechadas propostas pelos partidos. “Ou seja, todas as listas têm, obrigatoriamente, 50% de homens e 50% de mulheres”, disse. “[Isso] fez com que os índices de participação de mulheres no Legislativo argentino sejam, em média, algo entre 40% e 50%, realidade distinta do que é hoje no Brasil”, completou.

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Agência Brasil – O fato de termos uma mulher como presidenta incentiva que mais mulheres exerçam cargos de comando?

Andrea Azevedo Pinho – Certamente é um passo simbólico muito importante, porque um dos principais elementos quando a gente fala sobre mulheres e mulheres no poder é a questão da identificação. É o modelo de possibilidades que as mulheres têm na sua vida, no mundo, na sociedade. Então, a partir do momento em que você tem uma mulher ocupando o cargo máximo do Executivo de um país como o Brasil, você está dando um recado. Existe uma relação simbólica muito forte e muito representativa desse cargo. [Mas], para isso se traduzir em mais mulheres na política, mais mulheres em cargos nos Legislativos e nos Executivos e até mesmo no Judiciário, que também são indicações políticas, além de técnicas, a gente precisa de um pouco mais. Não basta só pensar que uma mudança simbólica como essa vai ser suficiente para que os mecanismos que regulam a forma como as mulheres são eleitas ou a forma como as pessoas são eleitas para cargos políticos vai mudar. Existe uma questão estrutural, institucional, que deve ser pensada também para garantir que nós tenhamos uma frequência mais equânime das mulheres na política brasileira.

ABr – Mais da metade dos votos são de mulheres, porém a representatividade no Congresso ainda é baixa. Isso ocorre por que mulher não vota em mulher?

Azevedo Pinho – Nesse caso, eu acho que a pergunta não é por que mulher não vota em mulher, mas também por que os homens não poderiam votar mais em mulheres. A gente deveria pensar em uma investigação sobre qual é o eleitorado dessas mulheres. Geralmente as mulheres são eleitas para trabalhos com temáticas relativas a questões de mulheres, como saúde da mulher, educação, com plataformas mais voltadas para o que se chama política leve, do que não está no cerne do noticiário político, como a economia, a infraestrutura. Nesse sentido, a presidenta Dilma [Rousseff] tem conseguido quebrar um pouco esses padrões e, com as suas ministras, têm conseguido levantar essas questões e trazer mais mulheres para essas posições políticas, para esses cargos que são considerados mais masculinos. E aí, talvez, a gente possa pensar que a maioria dos cargos políticos ainda está muito relacionada aos padrões e papéis masculinos.

ABr – Por que, apesar de haver cotas para mulheres, os partidos têm dificuldade em eleger representantes do sexo feminino?

Azevedo Pinho – Acho que quando se está discutindo sobre mais mulheres no poder, a questão dos partidos é central no caso brasileiro. No caso do Uruguai o sucesso ainda não está definido, mas o caso da Argentina é o caso clássico na América do Sul, onde há um sistema de cotas extremamente funcional. No caso brasileiro, há uma disparidade muito grande entre mulheres que estão dentro dos partidos e mulheres que conseguem efetivamente estar nas posições de poder dentro das legenda. Você tem muitas mulheres no corpo dos partidos, mulheres ajudando nos trabalhos menores, mulheres ajudando na dinâmica do dia a dia do partido, mas as grandes decisões ainda são tomadas pelos homens. Uma medida eficiente que pode mudar esse quadro são as cotas nos cargos de direção dos partidos políticos, porque daí você dá mais espaço para as mulheres dentro das estruturas partidárias, que também são estruturas extremamente machistas às vezes, para que as mulheres consigam abrir seu próprio espaço e, talvez, a expectativa é promover a participação de mais mulheres nas disputas políticas.

ABr – Em uma política cheia de vícios como a brasileira – em que os homens são considerados corruptos – a mulher é vista como reserva moral da sociedade. Essa visão é negativa, do ponto de vista político?

Azevedo Pinho – Esse é mais um estereótipo em que as mulheres acabam caindo não só no caso da política brasileira, mas da política como um todo. É um estereótipo positivo pensar que as mulheres seriam mais honestas ou mais compreensivas. Isso tornaria a dinâmica política menos agressiva do que ela é. Assim, a gente pode pensar que esse conceito que seria, a priori, positivo, pode se tornar também negativo. Há um isolamento das mulheres em questões que são consideradas mais primárias e que não são tão centrais na dinâmica política, como a educação, a saúde, o serviço social. E, as mulheres são levadas para esse campo da política que não são tão prestigiosos porque são dóceis, há uma ideia de que elas não têm a agressividade necessária para estar na política econômica, na política de infraestrutura. Quando as mulheres fogem desse padrão da docilidade elas são consideradas como a nossa presidenta [Dilma Rousseff] foi por muito tempo quando ministra: como mulheres muito duras, como mulheres que não têm a capacidade de negociar, mas é justamente o contrário. É justamente pela sua resistência, pela sua capacidade de buscar seus objetivos que as mulheres estão nessas posições. Então é muito difícil conseguir que um avanço seja significativo quando você ainda tem um processo de suporte como esse, no caso das mulheres.

ABr – O que mudou de 80 anos pra cá, depois de as mulheres conquistarem o direito ao voto?

Azevedo Pinho – A partir do momento em que as mulheres conseguiram o direito de votar, você tem a inclusão na vida política, na possibilidade de decidir sobre as leis que regem o Estado e que regem aquela sociedade. Às vezes parece uma conquista muito óbvia, mas é muito significativo pela possibilidade de influir no destino político do país. Assim, o avanço tem sido muito mais lento do que poderia ser. Se você pensar que há quase 100 anos as mulheres brasileiras podem votar e hoje as mulheres são menos de 12% dentro da Câmara dos Deputados e conseguiram atingir o recorde de quase um terço de ministras no governo Dilma, você consegue perceber que esse avanço foi muito lento.

ABr – Politicamente, quais são os desafios que as mulheres ainda têm que enfrentar? Em comparação com a Argentina, o que podemos tomar como bons exemplos?

Azevedo Pinho – No caso argentino, o que possibilitou o salto dentro do aumento da participação das mulheres nos espaços de poder foram principalmente os arranjos institucionais. A Argentina tem um sistema de lista fechada, em que o partido fecha uma lista com seus candidatos e apresenta ao eleitorado e nessa lista fechada os partidos são obrigados a alternar um homem e uma mulher. Ou seja, todas as listas têm, obrigatoriamente, 50% de homens e 50% de mulheres. O caso de a lista ser fechada e alternada por obrigatoriedade fez com que os índices de participação de mulheres no Legislativo argentino sejam, em média, algo entre 40% e 50% – realidade distinta do que é hoje no Brasil. Existem muitas discussões sobre quais tem sido os efeitos desse crescimento da participação feminina na Argentina e principalmente sobre qual o papel das mulheres no Legislativo de lá. E aí, grande parte das conclusões indica que houve uma mudança interessante em relação aos direitos das mulheres, mas que, em sua grande maioria, as mulheres que estão dentro do Legislativo argentino, além de pertencerem as mesmas famílias políticas que já são conhecidas no país, a maioria dessas mulheres está fechada nesses espaços que são considerados mais femininos, nas comissões que estão relacionadas à assistência social, à educação e à saúde. Então a gente vê que não basta só promover a entrada dessas mulheres nesses espaços, tem que existir uma mudança de mentalidade política sobre qual pode ser o efetivo papel e quais os reais limites na participação das mulheres na vida política.