O Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF/RJ) ofereceu hoje (8) mais duas denúncias contra o ex-governador Sérgio Cabral por corrupção ativa e passiva, centenas de crimes de lavagem de dinheiro e contra o sistema financeiro e participação em organização criminosa, envolvendo R$ 144,7 milhões que teriam sido repassados entre julho de 2010 e fevereiro de 2016.

Em entrevista coletiva no Rio, procuradores do MPF disseram que as denúncias tiveram como ponto de partida as investigações da 13ª e 14ª operações da força-tarefa da Lava Jato no estado e atingem outros 23 investigados, incluindo empresários e servidores e o ex-presidente do Departamento de Transportes Rodoviários do Estado do Rio de Janeiro (Detro), Rogério Onofre.

Segundo os procuradores, os recursos foram repassados  ao ex-governador pela Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), que congrega cerca de 10 sindicatos em todo o estado. Era “um dos mais antigos esquemas de corrupção do Rio”.

O procurador da República José Augusto Vagos disse que “há provas de que, a partir da caixinha da propina, 26 empresas de ônibus fizeram repasses a políticos e agentes públicos envolvendo mais de R$ 250 milhões entre janeiro de 2013 e fevereiro de 2016. Como ainda há outras investigações em curso, fica difícil imaginar o final desse esquema”.

Além dos recursos destinados a Sérgio Cabral, cujas propinas eram pagas em parcelas mensais, “e até quinzenais”, o esquema também teria repassado R$ 43,4 milhões de julho de 2010 a fevereiro de 2016 ao  ex-presidente do Detro.

Bloqueios

As denúncias foram protocoladas nesta segunda-feira (7) na 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, onde já tramitam 16 ações penais movidas desde a deflagração da Operação Calicute. A força-tarefa pediu que, junto com a condenação dos denunciados, a Justiça determine o bloqueio de pelo menos R$ 520 milhões para reparar os danos causados pela organização criminosa.

Na denúncia, o MPF sustenta que os repasses feitos a Sérgio Cabral e ao ex-presidente do Detro possibilitaram a empresários como José Carlos Lavouras, Jacob Barata Filho, Lélis Teixeira, Marcelo Traça e João Augusto Monteiro “garantir a hegemonia no setor de transportes e benefícios na política tarifária e de gestão desse serviço público”.

Entre os fatos narrados na denúncia do MPF figuram a decisão de Rogério Onofre, com anuência de Cabral, de, em dezembro de 2009, aumentar as passagens de ônibus intermunicipais em 7,05%. Aquele ano foi o último em que vigorou a política de reajuste via planilhas de custos entregues pela Fetranspor ao Detro (os reajustes ficaram vinculados ao IPCA a partir de 2010, conforme acordo do Estado do Rio com o Ministério Público).

“Uma auditoria do Tribunal de Contas do Estado constatou diversas irregularidades no reajuste do fim de 2009. Um estudo tarifário calculou a necessidade desse reajuste em apenas 2,68%, o que, inclusive, levou à condenação de Onofre pelo Tribunal de Contas do estado”, disseram os procuradores.

Eles lembraram, ainda, outro fato investigado: um decreto assinado pelo então governador Sérgio Cabral concedendo desconto de 50% no IPVA (Imposto Sobre Propriedade de Veículos Automotores) pago pelas empresas de ônibus em janeiro de 2014.

“Naquele mês e em fevereiro, as planilhas de colaboradores da força-tarefa indicam que um bônus de R$ 13 milhões saiu do caixa 2 da Fetranspor para Cabral, que ainda recebia na época repasses mensais da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros. E, ainda por cima, era um decreto inconstitucional e, ao assiná-lo,o ex-governador incorreu no erro de atos de ofício ilegais, ou ato de corrupção qualificado, o que aumenta a pena em 1/3″, ressaltou a procuradora Marissa Ferrari.

Lavagem de dinheiro

Na entrevista de hoje, oss procuradores do Ministério Público Federal disseram, ainda, ter constatado que, para desviar os recursos e remetê-los ao exterior, a organização criminosa se estruturou em quatro núcleos interdependentes: econômico (donos de empresas de ônibus à frente da Fetranspor); administrativo (gestores do estado que pediam vantagens indevidas pagas por empresários); financeiro-operacional (responsável por operações para lavar ativos); e político (ex-governador e líder da organização).

Outra estratégia foi movimentar cifras milionárias fora do sistema bancário, recolhidas em garagens de empresas de ônibus e guardadas em transportadoras de valores.

“É nítido que, por um lado, o ex-governador Sérgio Cabral concedeu benefícios tributários para as empresas de ônibus, abrindo mão de receitas importantes para o combalido orçamento do Estado do Rio de Janeiro. Tais benesses, no entanto, não foram consideradas pelo então presidente do Detro, Rogério Onofre, para reduzir os valores das tarifas pagos pelos usuários do serviço público de transportes ou ao menos para diminuir o seu percentual de aumento”, disseram os procuradores da República Eduardo El Hage, Fabiana Schneider, José Augusto Vagos, Leonardo Cardoso de Freitas, Marisa Ferrari, Rafael Barreto, Rodrigo Timóteo e Sérgio Pinel, autores das denúncias.

Para levantar a real dimensão do esquema, as investigações contaram com informações obtidas junto a colaboradores, como o ex-presidente do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, Jonas Lopes Júnior, e doleiros que operavam a contabilidade da propina. Outras fontes da investigação incluíram dados telemáticos e telefônicos, material arrecadado em buscas e provas colhidas em operações anteriores da força-tarefa Lava Jato, Calicute e Eficiência.

“Há um farto material colhido que comprova os atos ilícitos e que levaram aos fatos agora divulgados. É, até o momento, a maior quantia transferida ao ex-governador de que se tem notícia. As investigações continuam e fatos novos podem surgir, inclusive, envolvendo outras secretarias”, disse o procurador José Augusto Vagos.

Denúncias contra Cabral sobem para 14

Ao aceitar mais duas denuncias feitas contra Sérgio Cabral, a 7ª Vara da Justiça Federal fez com que o ex-governador passasse a responder por 14 processos, incluindo o em que já foi condenado a 14 anos e 2 meses de prisão pelo juiz Sérgio Moro, em Curitiba, e do qual está recorrendo.

Preso desde novembro do ano passado, acusado de chefiar um esquema de corrupção que teria desviado centenas de milhões de reais dos cofres públicos, Cabral foi transferido, em maio último, do Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, na zona oeste da cidade, para um presídio em Benfica, na zona norte.
Lá, ficava o antigo Batalhão Especial Prisional (BEP), que, depois de reformado, passou a abrigar detentos com diploma de nível superior ou acusados de não pagamento de pensão.

As últimas duas denúncias feitas pelo MPF decorrem da Operação Ponto Final, que levou para a prisão pessoas ligadas a empresas de ônibus, desmantelando, segundo os procuradores, um dos mais antigos esquemas de corrupção do estado.