O pecado original da era petista foi presumir que a conquista da Presidência da República pelo voto fazia do Brasil propriedade privada do partido. Desde o começo do primeiro mandato de Lula, em 2003, o PT acostumou-se a tratar a coisa pública como se fosse sua. Essa apropriação indébita não se deu apenas no campo material, como ficou amplamente comprovado nos escândalos do mensalão e do petróleo, entre tantas outras investidas dos militantes sobre o Erário. Ela se manifestou fortemente também na tentativa de pôr as instituições a serviço dos interesses partidários.
Uma premonitória capa de VEJA de 29 de junho de 2005 estampou o selo da República toscamente coberto com um adesivo da estrela vermelha do PT e a chamada: “O grande erro – confundir o partido com o governo”. O patrimonialismo do PT em relação ao Estado emergiu de maneira incontestável em muitos momentos nos últimos doze anos. Lula doou refinarias da Petrobras ao governo da Bolívia como se lhe pertencessem. Dilma Rousseff perdoou dívidas milionárias contraídas com o Brasil por ditadores africanos, usando dinheiro do contribuinte para azeitar a política externa ideológica de seu partido.
Nos dois governos, o BNDES emprestou centenas de milhões de dólares para a construção de um porto em Cuba, hidrelétrica no Equador, metrô na Venezuela e gasoduto na Argentina, como se a infraestrutura brasileira não estivesse absolutamente carente dessas obras.
Na semana passada, eclodiu mais um episódio com raízes na confusão proposital que o PT faz do partido com o Estado. Sem sequer se dar ao trabalho de disfarçar, o PT pressionou José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, para que agisse de modo a evitar a prisão de petistas suspeitos de crimes na Operação Lava-Jato. No governo Lula, ficou tristemente famosa a atuação do ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, morto no ano passado, como “advogado de defesa” do partido. A não ser em republiquetas e regimes autoritários, o ministro da Justiça esmera-se no cumprimento das leis e não em sua suspensão quando seu peso recai sobre correligionários. A pressão sobre Cardozo pode redundar em sua renúncia. Com atitudes assim, não é surpresa que, em pesquisas de opinião, Dilma tenha apenas 9% de aprovação e seu partido 11% de preferência – prova de que o Brasil não é uma republiqueta e se recusa a ser governado com autoritarismo.

Fonte: Texto extraído da revista Veja, do dia 8 de julho de 2015, edição 2.433.