“Temos que parar de exagerar com a crise. Quem tinha três bilhões, perdeu um, mas ficou com dois. Não é nenhuma miséria”. A frase é do estilista da Chanel, Karl Lagerfeld, mas se aplica ao atual momento do mercado de luxo brasileiro em meio à crise mundial – a situação não está tão boa quanto no passado, mas o mercado vai bem, obrigado.

Enquanto o varejo brasileiro ainda tenta se recuperar das perdas registradas no final do ano passado, o mercado de luxo no país espera crescer 8% este ano, segundo levantamento feito pelo instituto de pesquisa GfK para a consultoria MCF.

“Não é tão positivo assim, a gente precisa ser realista. Mas existe a questão de que o luxo são marcas muito impregnadas de símbolos, de desejos, que acaba sendo uma vantagem competitiva a mais”, diz Carlos Ferreirinha, presidente da MCF.

Na rede de joalherias Tiffany no Brasil, a crise mal passou pela porta. Sem falar em números, a gerente-geral da rede no país, Patricia Assui, afirma diz que o crescimento das vendas chegou a surpreender: “Está maior do que o do ano passado, está em dois dígitos. Quando fomos fazer o planejamento para este ano, achamos que ia crescer, mas não tanto. Obviamente não vou dizer que está no ritmo acelerado que estava há um ano, mas superou nossas expectativas”, comemora.

Já no exterior, onde a marca tem suas bases mais tradicionais, o resultado é bem menos empolgante. “O epicentro da crise foi Nova York, o impacto no nosso negócio foi tremendo lá”, diz Patricia.

“De fato no Brasil (o mercado de luxo) está indo muito bem, não foi tão prejudicado como no exterior. A reação brasileira de forma geral foi bem melhor – continua crescendo, mas realmente o crescimento é um pouco menor”, constata a professora Suzane Strehlau, do Centro Universitário FEI.

Perfil do consumidor

O que explica essa diferença entre os mercados – além, é claro, do fato da crise estar sendo menos intensa por aqui – é o perfil do consumidor de luxo brasileiro, segundo Ismael Rocha, professor de marketing de luxo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Rocha explica que, no Brasil, a grande massa consumidora do luxo e que está movimentando este comércio, são os que começaram a fazer parte desse segmento há pouco tempo. “São os que estão entrando para o mercado de luxo, onde a grife, a marca, funciona como uma senha de entrada. Para as pessoas desse grupo, perder aquilo que já conquistaram é um impacto muito negativo”, diz.

Já entre europeus e americanos, o consumo de luxo faz parte do que o professor chama de “processo histórico”. “Ele compra porque faz parte da cultura de consumo dele. Então ele trocou dois Rolex por ano por um Rolex por ano, foi um impacto maior.” Ou seja, sem deixar esse mercado, seu consumo pode ter caído à metade.

Fator emocional

Segundo os especialistas ouvidos pelo G1, o fator emocional também contribui para que as vendas do setor de luxo se mantenham em alta durante um período de crise. “Existe muito uma questão de indulgência. As pessoas se controlam em muitas compras, muitos itens, e acaba sacrificando a parte emocional. E elas pessoas se dão presentes que podem se materializar em um produto de uma marca de luxo”, diz Suzane.

“Acho que, numa hora de crise, se você for gastar dinheiro, quer gastar numa coisa sólida, de qualidade, com bom reconhecimento, e que é atemporal”, diz Patricia, da Tiffany. “A gente nunca sai de moda, não vai ser considerado um gasto fútil, o que faz com que as pessoas não necessariamente deixem de comprar”, afirma.

É exatamente esse “fator emocional” que, segundo os especialistas, “descreve” o que é o luxo. “Não há uma definição do que é luxo, não é uma indústria regulamentada. O que se trabalha são produtos e serviços que alcançam patamares altos, produtos que são consumidos por tomada de decisão emocional, que evocam sensações de poder, de status”, explica Ferreirinha.

“O luxo tem algumas características que são muito tênues, mas marcantes: ele é para poucos, são produtos direcionados para um grupo restrito de pessoas. Ele, em função dessas características, se torna objeto do desejo. E ele só é objeto do desejo porque é reconhecido pela comunidade”, diz Ismael Rocha.

“Existem poucas maneiras que as pessoas demonstram a sua condição social: ser descendente da rainha da Inglaterra, ter um grande cargo, ou através do consumo”, diz a professora Suzane Strehlau.

Rocha explica, no entanto, que a classificação do que é luxo pode mesmo variar dentro dos diferentes grupos: para um grupo de pessoas de menor poder aquisitivo, uma mala de viagem de uma determinada operadora de turismo pode ser esse símbolo do luxo, diz. “O produto passa a ter um valor porque é reconhecido pelas pessoas que estão em volta”, aponta.

Foco no Brasil

Os melhores resultados do setor do luxo no Brasil devem aumentar a presença das grifes estrangeiras no país. “A gente está tendo um olhar maior dessas empresas estrangeiras sobre o mercado brasileiro”, diz Paulo Carramenha, presidente da GfK.

A professora Suzane também aposta nessa tendência: “Essas empresas tendem a se voltar um pouco mais para o mercado brasileiro e para o mercado do oriente. Aqui é um paraíso.”

A própria Tiffany tem planos de expansão por aqui. “A gente enxerga o Brasil com muito otimismo. A gente está começando no país, dá para expandir bastante”, diz a gerente da rede.