Marcelo(*), 18 anos, tem esposa e filha. Já trabalhou em feira livre e lava-rápido. Foi ajudante geral e montador de telhados. Há cerca de oito meses, voltou à Fundação CASA. Conta que, desempregado, a situação em sua casa ficou difícil e acabou se envolvendo com roubo. Agora, em liberdade assistida, o jovem tem a possibilidade de retornar ao mercado de trabalho. A oportunidade surgiu com o curso de instalador de hidráulica, iniciativa da ONG Bem Querer Assistência Social em parceria com a Fundação Casa (por meio da Divisão Regional da Vila Maria), com o apoio de empresas privadas.
As aulas teóricas e práticas mais a oportunidade dada por empresas parceiras do ramo da construção civil permitem a recolocação de Marcelo e outros jovens no mercado profissional. O curso faz parte do Projeto Construtores do Amanhã. A ideia ainda é organizar cursos de pedreiro, azulejista, carpinteiro, eletricista e armador, aproveitando a expansão do emprego na área da construção civil nos últimos anos. Só em São Paulo, segundo o Sindicato da Indústria da Construção Civil (SindusCon-SP), a expectativa é que serão abertas cerca de 50 mil vagas neste ano.
O diretor da Divisão Regional da Vila Maria, da Fundação CASA, Sérgio de Oliveira destaca que o curso vai além de questões conceituais, teóricas e práticas, pois “resgata o cidadão”. Os adolescentes, segundo ele, se sentem tão excluídos que, mesmo antes de entrarem na Fundação, desconhecem seus direitos como cidadãos. Com o aprendizado, passam a enxergar sua capacidade, habilidade e competência à medida que os módulos avançam. “A maior importância do curso é o jovem se perceber como o verdadeiro protagonista de sua história”, ressalta.
Diferencial
Duas turmas de internos da Regional da Vila Maria receberam a formação. A divisão da Fundação CASA é composta pelas unidades São Paulo, Abaeté, Bela Vista, Ouro Preto, Nova Vida, Paulista, Itaquá, Casa Itaquá e Semiliberdade Alvorada. Também participam pessoas da comunidade – maridos de gestantes e pais de famílias desempregados. A primeira turma, por exemplo, formou 20 profissionais, 15 dos quais da Fundação Casa. Na seguinte, foram 30 formandos, 20 da instituição. Quanto à colocação no mercado, há oito integrantes da primeira turma trabalhando (cinco da Fundação) e 26 da segunda (sendo 16 da Fundação).
O ensino dura em média dois meses – 110 horas de aula. É ministrado por engenheiros e arquitetos da ONG e empresas parceiras. Para participar, basta saber ler e escrever. Em termos teóricos, os alunos aprendem o vocabulário usado na área de hidráulica (por exemplo, tubo, em vez de cano; adesivo, no lugar de cola) até a ler projetos e trabalhar com escalas. Na prática, fazem a montagem de toda a parte hidráulica, soldam tubos de diferentes tamanhos, entre outras atividades.
O contrato, com carteira assinada no dia da formatura, é por tempo indeterminado. Os jovens recebem salário aproximado de R$ 800 mais vale-transporte. Conforme determina a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), têm também de cumprir três meses de experiência. Mas, de acordo com Odilene Aniteli, presidente da ONG, todos têm sido aprovados e continuam trabalhando na empresa. “Eles chegam com um grande diferencial em relação aos que já trabalham no local: sabem ler escalas, fazer toda parte de esgoto, soldagem de tubos e instalação hidráulica de banheiro”, argumenta.
Tutores
Ponto positivo do curso é manter na mesma turma pessoas da comunidade, afirma Odilene. Isso, inicialmente, propicia o entrosamento dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa com o mundo fora da Fundação. Num segundo momento, quando os jovens vão para o canteiro de obras, os participantes da sociedade (com quem eles vão trabalhar) acabam apadrinhando-os, dando suporte em caso de dificuldades.
Quando não conseguem solucionar os problemas, os “padrinhos” entram em contato com os integrantes da ONG, que atuam como tutores, tanto dos internos da Fundação como dos participantes da comunidade. Os membros da ONG acompanham os participantes durante um ano, até conseguirem caminhar sozinhos. “Nos reunimos uma vez por mês para saber o que estão fazendo, como andam empregando o dinheiro que recebem”, observa Odilene.
A presidente da ONG Bem Querer acredita que esse acompanhamento está fazendo a diferença. Segundo ela, quando o interno deixa a Fundação, ele não conhece sobre os procedimentos do mundo externo. Não sabe se deslocar na cidade, tem dificuldade para tirar documentos, desconhece a maneira de se comportar na empresa. “Orientamos os jovens sobre todos esses procedimentos, o que cria um vínculo com a ONG. Se não houver acompanhamento, eles desanimam e voltam para a criminalidade”, ressalta Odilene.
Projeto de vida
Para ajudar nessa orientação, a ONG mantém parcerias com empresas para cursos e treinamentos. Carlos (*), 19 anos, se formou na primeira turma do curso e já trabalha há três meses. Ele participou de um desses treinamentos, ministrado pela empresa Núcleo Ser. O jovem se apresentou como funcionário da empresa do ramo de construção civil que o havia contratado. Durante o treinamento, manteve contato com executivos, médicos e outros profissionais. Aprendeu que é preciso elaborar um projeto de vida, traçar seus objetivos e se comportar bem na empresa em que trabalha. A finalidade, segundo Odilene, era melhorar o seu convívio social. “Num próximo curso, vamos orientá-los em relação a gastos econômicos e a fazer planejamento familiar financeiro”, antecipa.
(*) Nomes fictícios