O historiador e professor do Museu Paulista da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Marins, classificou de “chocante” para a preservação do patrimônio cultural brasileiro a inundação, ocorrida no último dia 2, que destruiu parte do centro histórico da cidade de São Luiz do Paraitinga, no Vale do Paraíba paulista.

A cidade era a única do Estado a ter preservado um conjunto arquitetônico de construções do século 19 em bom estado e em grande número. As edificações eram fundamentais para a economia da cidade, que girava em torno do turismo, e para a realização das manifestações culturais locais, como os festejos do Divino Espírito Santo, o carnaval, as festas da Semana Santa e o Corpus Christi.
 
“São Luiz do Paraitinga tem essa convergência muito clara entre o patrimônio material e o imaterial, que faz dessa cidade semelhante ao que é Olinda para Pernambuco, ou Pirenópolis para Goiás”, explica o professor. “Não é só a perda das edificações que existem ali, mas o fato de que essas edificações mediam uma quantidade de festas muito grande, que ocorrem em meio a elas e dentro delas, que foram perdidas”.

São Luiz do Paraitinga é lugar privilegiado para o estudo do neoclassicismo no estado de São Paulo. Outros municípios, como Pindamonhangaba, Guaratinguetá, Itu e Campinas, têm imóveis da fase neoclássica, mas isolados e mesclados no conjunto da cidade a outras edificações dos séculos 20 e 21. Em São Luiz, havia uma configuração em grupo de um grande conjunto de imóveis, a maior parte deles erguidos no período de 1840 a 1870.

“Eles tinham características peculiares, como é o caso dos forros de dentro das casas, que são muito marcantes em São Paulo. Eles têm um desenho como se fosse um sol dentro das salas. A arquitetura, sobretudo de sobrados, também era muito significativa para o Estado, e é justamente com esse tipo de imóvel que houve uma perda muito grave para a cidade. Em alguns que sobreviveram, houve perda de revestimento e abalo estrutural”.

As edificações de São Luiz eram um registro histórico da primeira área de expansão da cafeicultura brasileira no século 19, no Vale do Paraíba. O período não é, geralmente, foco de políticas públicas de preservação de patrimônio, como acontece com as cidades com construções do período colonial, vinculadas à mineração mineira ou à economia açucareira nordestina.      

“Para a população local, foi um desastre. E para aqueles que se preocupam com a preservação do patrimônio cultural é uma perda assim, não radical, como se noticiou inicialmente, talvez aquelas cifras enormes sejam revistas, mas, de qualquer maneira, o cenário que existe na cidade é de devastação”, diz Marins.

De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a reconstrução dos prédios derrubados pela inundação deve ocorrer o mais rápido possível, com base nos registros de tombamento das construções da cidade.  

“Nessas circunstâncias, pode-se ou fazer uma construção efetivamente contemporânea que dialogue com o passado da cidade, ou uma reconstrução, uma réplica da construção original, mas que a réplica seja evidentemente uma réplica, de maneira que não se confunda os tempos. Aquilo que era do século 19 e do início do século 20 está perdido, aquilo que se terá é uma reconstrução do século 21 e é importante que isso seja bastante explicado”, avalia o professor.