SÃO PAULO — O governo de São Paulo lançará oficialmente nesta quinta-feira um  programa pelo qual usuários de crack receberão uma bolsa de R$ 1.350 por mês  para custear despesas com unidades de reabilitação e acolhimento social e evitar  recaídas. O programa, que é visto com algumas ressalvas por especialistas, é  anunciado ao mesmo tempo em que o atendimento a dependentes de drogas no Centro  de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), do governo estadual,  ainda esbarra em dificuldades, segundo juízes.

Pelo programa Recomeço, cada dependente químico maior de 18 anos receberá um  cartão que só poderá ser usado para pagar tratamento em comunidades  terapêuticas, onde poderão morar e se tratar por até seis meses. Inicialmente, o  projeto vai beneficiar 3 mil dependentes químicos que já tenham passado por  atendimento psiquiátrico anterior. Caberá às prefeituras indicar os nomes dos  dependentes que receberão o cartão, pois são os municípios que gerenciam os  Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD), onde os viciados  recebem atendimento ambulatorial. O projeto chegará primeiro a 11 cidades do  interior do estado onde há Caps AD.

— Na comunidade terapêutica, o dependente tem qualificação profissional, de  fortalecimento de vínculos com a família. Não tem médico, tem assistente social  e pessoas que ministram oficinas para ajudar ele a se inserir na sociedade e no  mercado de trabalho. Médico ele verá na rede de saúde pública e no Caps. O  cartão agilizará o avanço do atendimento para o interior — explica o secretário  de Desenvolvimento Social, Rodrigo Garcia.

Segundo o secretário, na capital, o atendimento já é feito por comunidades  terapêuticas conveniadas. Ele estima que em 60 dias já haverá pessoas começando  a serem atendidas. As comunidades terapêuticas serão escolhidas pelo governo  após passar por vistorias e terão que apresentar plano de atividades para os  usuários, dentre outros requisitos. A iniciativa é inspirada num projeto similar  feito pelo governo de Minas Gerais, onde a bolsa é de cerca de R$ 900.

A professora de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e  ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas Ana  Cecília Marques disse que numa situação em que pouco se faz para resolver o  problema do crack no país, a iniciativa é positiva e pode ajudar pacientes que  não teriam alternativa de tratamento caso não recebessem a bolsa. Mas ela  acredita que o governo deveria exigir que houvesse um médico dentro das  comunidades terapêuticas credenciadas.

— Precisa de médico para fazer avaliação da síndrome de abstinência, que é um  quadro grave e tem que ser tratado por um médico — afirma.

Thiago Fidalgo, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a  Dependentes da Unifesp , diz que o governo não deveria privilegiar a internação  como solução para o problema das drogas, e sim investir em prevenção e  tratamento ambulatorial, pois a internação é necessária em apenas alguns casos.  Segundo ele, muitas comunidades terapêuticas não trabalham de forma adequada  atualmente e precisariam se adequar.

— Em muitas comunidades terapêuticas, pelo menos no período inicial, o  dependente não pode deixar a unidade. Cerca de 70% dos usuários de drogas têm  doenças psiquiátricas que precisam ser tratadas e a maior parte das comunidades  terapêuticas não tem psiquiatra. O ideal é que a comunidade estimule a inserção  social. E como ela vai fazer isso se afasta a pessoa da comunidade? — questiona  Fidalgo.

Mais de três meses depois de um plantão judiciário ter sido instalado no  Cratod, unidade de referência ao atendimento de dependentes no estado, a  burocracia ainda emperra a ajuda a viciados. Segundo o juiz Iasin Issa Ahmedas,  ainda há casos de dependentes em crack que esperam 30 dias para serem internados  por falta de vagas, mesmo quando possuem laudo médico recomendando internação e  decisão judicial determinando que o estado tome providências.

— Na última sexta-feira houve um caso de um rapaz que estava há 30 dias  esperando vaga, em casa. Ele estava estável, mas isso é um absurdo. Tem que ter  vaga logo. A gente liga, cobra, e a vaga não sai. A novela desse rapaz acabou,  ele conseguiu a vaga. Mas há uma burocracia enorme na área da saúde, as pessoas  não se comunicam — disse Ahmedas.

Segundo a secretaria estadual de Saúde, desde que o plantão judiciário  começou a atender no Cratod, em 21 de janeiro, até anteontem, o centro recebeu  25 mil telefonemas pedindo informações e foram realizadas 770 internações (sendo  712 voluntárias e 58 involuntárias, mas nenhuma compulsória). De acordo com a  pasta, em 92% dos casos atendidos pela unidade, com necessidade constatada de  internação, os pacientes permanecem por no máximo dois dias no Cratod, em leitos  de observação, enquanto há a liberação de transferência para uma unidade  hospitalar.

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