Caríssimos irmãos e irmãs da comunidade católica de Monte Castelo, irmãos evangélicos, espíritas, cidadãos que professam algum credo religioso ou não, mas que primam pelo bem comum, a paz, a concórdia e a ordem em nossa cidade de Monte Castelo.
Há cerca de um ano e oito meses, assumi o pastoreio da Igreja Católica – Paróquia Santa Cecília. É do conhecimento de todos vocês o quanto tenho lutado para se evitar o caos generalizado que foi se instalando durante os 13 anos em que foram promovidas as cavalgadas como manifestação de fé e devoção por ocasião do feriado nacional dedicado a “Nossa Senhora da Conceição Aparecida”. Sei que, mesmo contanto com o apoio de grande parte da população, a desobediência e a insistência de alguns cidadãos em manter essa festa, como aconteceu no último dia 12 de outubro, apesar do Exmo. Sr. Juiz da Segunda Vara de Tupi Paulista ter concedido, pelo segundo ano consecutivo, liminar contrária à realização do evento, é que venho discorrer sobre alguns pontos que julgo serem importantes para que todos os cidadãos que ainda não compreendem as razões dessa questão envolvendo cultura, religião e política, possam refletir e, com a Graça de Deus, mudar seus pensamentos e atitudes daqui em diante.
Antes de ser um padre, devo dizer que sou católico por escolha e não por cultura. Até meus 19 anos fui formado no espiritismo kardecista. Tive ainda a oportunidade de conhecer e vivenciar outros caminhos espirituais como a Igreja Messiânica Mundial, a PL – Perfeita Liberdade, e alguns cultos em igrejas evangélicas. Somente aos 23 anos deu-se o início de minha conversão ao catolicismo, e desde então sempre desejei ser padre, lutei muito para chegar a esse objetivo, que entendo ser uma missão dada a mim por Deus. Não bastasse esse trânsito inter religioso que deu-se naturalmente na minha vida, ainda, após os oito anos e meio de estudos de filosofia e teologia, tive a graça de fazer mestrado na PUC de São Paulo, em “Ciências da Religião”, onde estudei e fui conhecer “in loco”, outras experiências religiosas como o movimento Hare Krhisna, o Zen Budismo, o Soto Budismo, a sinagoga judaica da Federação Israelita Paulista, Igrejas Católicas Ortodoxas Grega, Siríaca, Russa e Ucraniana, Igreja Anglicana, e protestantes Metodista, Presbiterianas e Luteranas. E posso dizer com toda segurança e autoridade que, em nenhuma delas é possível encontrar uma confusão entre cultura religiosa e o respeito pelo Sagrado, tal como acontece na cavalgada da cidade de Monte Castelo.
É próprio da religião, levar os seus fiéis a uma experiência séria e sóbria para com Deus. É próprio do Sagrado, orientar o nosso cotidiano profano, e não o contrário. É o Sagrado que define a moral e não o contrário. Lembremo-nos que não foi Moisés quem definiu os dez mandamentos ao seu bel prazer, mas os recebeu de Deus. Vejo ainda como maior exemplo dessa questão, no livro do Êxodo, quando Deus diz a Moisés “Não te aproximes daqui; tira as sandálias dos pés porque o lugar em que estás é uma terra santa” (Ex 3,5); ou o de Abraão ao receber os três mensageiros de Deus (Gn 18,2). Poderíamos citar mais de uma centena de exemplos da atitude religiosa de temor e adoração a Deus, tanto no Antigo Testamento como no Novo. Os islâmicos rezam prostrados ao chão, os judeus usam o kipá na cabeça em sinal da submissão a Deus. Nos centros espíritas, a luz é branda e o silêncio é obrigatório. Nas igrejas evangélicas em geral, guarda-se o silêncio antes do culto, sobriedade no vestir-se, e, embora quase sempre ausente de símbolos, o zelo para com o espaço sagrado, a inspiração para com o temor e reverência a Deus, é indiscutível. Nas religiões orientais, o respeito, a reverência, o silêncio, e o cuidado com o traje é igualmente regulado. É próprio da religião regular as normas de vida, ritos de culto e preservar a integridade de suas escrituras sagradas. Assim bem explicitou o sociólogo Émile Durkheim (1912) ao definir o fenômeno religioso como sustentado por três pilares, a saber: o rito, o mito e o interdito. Cito ainda outro grande pensador especialista em fenômeno religioso, Mircea Eliade, em sua clássica obra “O Sagrado e o Profano”, que discorre abundantemente sobre o que estamos tentando esclarecer. Recomendo ainda, a obra “O Sagrado”, do teólogo protestante Rudolf Otto, considerado o fundador da área acadêmica de estudos das “Ciências da Religião”, além de tantos outros pensadores e estudiosos sobre o fenômeno religioso.
Muitas pessoas de bem já compreenderam o que estamos propondo. No entanto, falta uma grande sensibilidade por parte de alguns grupos e do poder executivo municipal. Já solicitamos, em inúmeras e intermináveis reuniões junto ao prefeito municipal, para que leve em consideração o desejo da comunidade católica de ter um dia 12 de outubro de silêncio, piedade, devoção, procissão e missa em louvor à Mãe de Deus. Já argumentamos inúmeras vezes que muitos cidadãos não suportam mais as ruas da cidade tomadas de lixo, urina, transtornos de todo tipo, acidentes, brigas, atropelamentos, atos que ferem e servem de incentivo ao desregramento da moral mínima necessária para uma convivência digna de cidadãos de bem. Depois de apelar para os membros da Associação dos Devotos de Nossa Senhora Aparecida e da Associação dos Amigos da Cavalgada de Monte Castelo, de seus simpatizantes e para o poder executivo municipal para que mudem a data da cavalgada; e sem resultados, apelar para o Poder Judiciário; e diante do ocorrido na manhã do último dia 12 de outubro, suplico encarecidamente a todos os cidadãos e cidadãs de Monte Castelo que ainda relutam nessa questão, que, ainda que não compreendam o que até aqui, nesses quase dois anos, temos tentado fazê-los compreender, e que discorremos largamente neste artigo, que ao menos respeitem: respeitem a Igreja Católica de Monte Castelo; respeitem a Justiça; respeitem a mim, padre de Monte Castelo, que estou só cumprindo o meu dever de corrigir uma devoção mal conduzida; educar as futuras gerações de católicos quanto à verdadeira devoção à Mãe de Deus e Nossa Senhora da Conceição Aparecida; resguardando o Sagrado da religião ao qual o Catolicismo se faz portador; tornando o catolicismo mais simpático e aceito pelos irmãos das outras denominações religiosas que também não aprovam a festa do dia 12; e em tudo isso, apesar dos meus pecados, erros e acertos, convicto de que “é preciso obedecer antes a Deus do que os homens” (Atos dos Apóstolos 5,29).
Padre Mauro Pollon – Igreja Católica Apostólica Romana – Paróquia Santa Cecília – Monte Castelo-SP e Diocese de Marília.