Presença de bandeiras “vermelhas” nos comícios, sinais de antiamericanismo e os bastidores políticos estavam entre as principais preocupações da diplomacia americana ao longo das últimas semanas da campanha das Diretas-Já.

Folha obteve do Departamento de Estado 65 despachos diplomáticos enviados entre março e julho de 1984 pela Embaixada dos EUA em Brasília e pelos consulados em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Porto Alegre.

Desses despachos, três tiveram trechos suprimidos. Apenas um documento deixou de ser enviado, segundo explicação encaminhada com os documentos.

Os textos podem ser divididos entre descrições dos comícios e análises dos bastidores políticos sobre as chances de a emenda Dante de Oliveira –que restabelecia eleições diretas à Presidência– passar no Congresso Nacional e, depois, da sucessão do presidente João Baptista Figueiredo (1979-1985).

Os grandes comícios multitudinários ganharam descrições minuciosas, feitas in loco. Em quase todas havia preocupação de medir o grau de antiamericanismo e de dimensionar a presença de organizações de esquerda mais radicais, como o PC do B e o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro).

Nessa categoria não entravam nem o PT de Lula nem o PDT de Leonel Brizola, presenças constantes nos comícios e, segundo os americanos, os únicos que “apelavam aos instintos viscerais da multidão”, segundo relato sobre o comício feito em 14 de abril, em Porto Alegre.

Os despachos ressaltavam o “bom humor”, a presença de artistas e o tom pacífico dos comícios. Numa marcha no Rio realizada em 21 de março, os estimados 150 mil participantes aparecem imbuídos de “um certo espírito pós-Carnaval, com grupos de samba e fantasias”.

No conjunto, os despachos sugerem que os americanos tinham poucos receios de uma radicalização à esquerda. Posição bastante distinta à de 1964, quando Washington apoiou o golpe de Estado, planejando até uma operação militar, depois abortada, contra o presidente deposto João Goulart, visto como próximo demais do comunismo.

Em meados dos anos 1980, quando os EUA eram governados pelo republicano Ronald Reagan (1981-1989), essas preocupações haviam se deslocado para a América Central, onde Washington financiava clandestinamente uma oposição armada contra o governo sandinista da Nicarágua e armava Exércitos contra guerrilhas da Guatemala e de El Salvador.

Já o último comício no Rio antes da votação, em 10 de abril, foi descrito como “uma ocasião realmente histórica”, que serviu para demonstrar que “a maioria dos brasileiros veem eleições diretas como o próximo passo lógico da abertura”.

Nos bastidores, os diplomatas americanos se preocupavam em seguir as movimentações em torno da sucessão. Um dia após a votação no Congresso que derrubou a possibilidade de eleição direta, em 26 de abril, um despacho previa: “Podemos estar errados, mas acreditamos que o ar do balão das Diretas-Já vai sair gradualmente. Uma vez que as tensões morram, as negociações parecem prováveis”.