Menos da metade das vagas oferecidas na edição do primeiro semestre de 2014 do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), em janeiro, foi preenchida na primeira chamada. É o que mostra um levantamento feito pelo G1 com base nos dados do Ministério da Educação (MEC), obtidos via Lei de Acesso à Informação.
O Sisu é um processo seletivo que usa as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para selecionar estudantes para cursos de graduação em universidades federais e institutos tecnológicos de ensino superior.
Ao todo, foram oferecidas 171.401 vagas neste semestre. Na primeira chamada, apenas 76.204 alunos convocados (44% do total) fizeram a matrícula nas universidades federais e nos institutos tecnológicos. De acordo com os dados obtidos pelo G1, 95.197 vagas das 171.401 (56% do total) não foram ocupadas e acabaram sendo oferecidas novamente na segunda chamada.
O sistema tem duas edições por ano. A do primeiro semestre é realizada em janeiro, e a do segundo semestre abrirá inscrições na próxima segunda-feira (2). Para participar, é preciso ter feito o Enem em 2013.
Pelas regras do Sisu, após a segunda convocação, feita automaticamente no site do programa, cada instituição chama os candidatos da lista de espera de acordo com o número de vagas remanescentes.
O índice de 44% de vagas preenchidas na primeira chamada foi maior que a do Sisu do primeiro semestre de 2013, quando 41% das 129.319 vagas foram preenchidas na primeira convocação. Em 2012, 56,4% das vagas do Sisu ficaram em aberto após a primeira lista de aprovados.
O levantamento obtido pelo G1 mostra também que, em 1.108 cursos (23,4%), as vagas preenchidas não ultrapassaram 25% do total oferecido.
O secretário de Educação Superior do MEC, Paulo Speller, não considera baixo o número de matrículas feitas na primeira chamada do Sisu. “A expectativa era essa mesmo. O que nos interessa é o final do processo. Quanto mais vagas preenchidas, melhor”, afirma. “Em 2013, 94% das vagas foram ocupadas nas duas chamadas, sem contar a lista de espera. Os números deste ano ainda estão sendo fechados. Mas a série história do Sisu vai nessa direção”, diz.
O professor e diretor da empresa de avaliações educacionais Primeira Escolha, Tadeu da Ponte, concorda que, para um sistema como o Sisu, o número de vagas remanescentes está dentro do esperado. “Nenhuma universidade no mundo tem 100% de matrícula dos alunos.”
O professor explica que a Universidade Harvard, nos Estados Unidos, é a instituição com a maior taxa de matrícula de aprovados em primeira chamada do país. Lá, um em cada cinco convocados (20%) desiste de entrar no curso em que passou. Na Universidade Princeton, também nos EUA, a média de matrículas em primeira chamada é de 64,8% do total de vagas oferecidas.
Medicina, direito e engenharia
Cursos mais concorridos, como o de medicina, tiveram uma média de ocupação das vagas na primeira chamada do Sisu mais alta que a média do total do sistema, mas quase 25% delas tiveram que ser oferecidas mais de uma vez aos candidatos. Nesta edição, o programa reuniu 2.925 vagas de medicina, mas 676 “sobraram” para as convocações seguintes. Em direito, das 4.724 vagas oferecidas, menos da metade continuou em aberto após a primeira chamada – ao todo, houve 2.184 vagas remanescentes. Entre as vagas de engenharia, a porcentagem foi parecida: foram oferecidas 24.868 vagas para todos os cursos do tipo, e 12.780 ficaram abertas.
Apenas seis cursos de 4.723 conseguiram preencher 100% das vagas (52 no total) na primeira chamada do Sisu. São eles: engenharia de telecomunicações no Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (Cefet-RJ), engenharia mecânica e engenharia elétrica no Cefet-MG, engenharia ambiental no Instituto Federal de Goiás (IFG), educação física na Universidade Federal do Pará (UFPA) e história na Universidade Federal Fluminense (UFF).
Motivos
Speller diz que alguns fatores contribuem para menos da metade das vagas do Sisu ser preenchida na primeira chamada. Entre eles, está o fato de o aluno convocado ter sido aprovado em outras instituições fora do Sisu e preferido se matricular em alguma mais próxima de casa, ou ainda, optado por programas em universidades particulares, como o Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Financiamento Estudantil (Fies).
O professor Tadeu da Ponte concorda que essa pode ser uma hipótese para a quantidade de vagas em aberto. “Os melhores alunos tendem a ser aprovados em mais universidades para os quais se candidatam, e terão que optar por uma delas”, afirma.
Outro motivo levantado pelo secretário de Educação Superior do MEC é que nem todos os estudantes da primeira chamada foram convocados para os cursos em sua primeira opção – o Sisu permite a inscrição em até duas opções de faculdade, e é possível ser convocado na primeira chamada para qualquer uma delas. Speller, no entanto, não informou qual porcentagem de alunos se encaixa nessa situação.
O secretário destaca que há uma discussão permanente com as universidades para discutir o aprimoramento do sistema. Em agosto, haverá uma nova reunião com as instituições para discutir algumas melhorias.
Para Ponte, não é possível definir as razões exatas por trás da desistência dos candidatos, já que eles são muitos. Mas a possibilidade que o Sisu oferece de modificar a inscrição durante o processo seletivo pode explicar parte das vagas em aberto. Como os inscritos recebem diariamente uma nota de corte parcial, podem mudar suas opções para cursos que não seriam sua primeira alternativa, mas onde têm mais chance de passar. “Isso pode fazer com que muitos tenham finalizado uma escolha de opções que não é a que mais queiram e, consequentemente, podem desistir da matrícula após serem aprovados. Tenho ainda a hipótese de que o Sisu é, para muitos, uma opção adicional, dado que é fácil de se inscrever em diferentes cursos, em mais de uma opção”, aponta o professor.
Para o educador Celso Antunes, especialista em cognição, os números do Sisu podem ser um reflexo negativo da mobilidade permitida pelo sistema, já que os candidatos disputam vagas em instituições de ensino superior localizadas em estados diferentes de sua origem e nem sempre conseguem se matricular. “É um problema que precisa ser enfrentado. O aluno concorre à vaga, mas não percebe que a realidade pragmática não permite que ele viva naquele lugar.”
Nenhum matriculado
Considerando os 4.723 cursos com vagas oferecidas pelo Sisu na primeira chamada de 2014, em 62 deles (1,31%) nenhum dos candidatos aprovados inicialmente decidiu se matricular. Essas faculdades estão concentradas em 25 instituições – 18 delas, universidades federais –, localizadas principalmente no Tocantins, em Mato Grosso e em Goiás. Há também cursos sem nenhum inscrito na primeira chamada no Rio Grande do Sul, no Pará, no Paraná, em Santa Catarina, na Bahia e em Minas Gerais.
Para o professor da Universidade de Brasília (UnB) Remi Castioni, trata-se de um indicador importante, que deve fazer as universidades reavaliarem o papel dos cursos. “Precisa ouvir a comunidade, professores da rede básica, divulgar [o assunto] no âmbito regional e realizar uma série de estratégias para que os interessados tomem conhecimento.”
Segundo Castioni, às vezes há uma sazonalidade presente nessa equação. “Um exemplo é o curso de geologia da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro]. Há uns dez anos, ele tinha 50 vagas. Com a diminuição da demanda, as vagas caíram para 25. Com o boom do pré-sal, houve uma procura enorme, fazendo com que o curso voltasse a oferecer uma quantidade grande de vagas.”