Em 2010, Steve Jobs escrevia abertamente para um oficial no Rio de Janeiro dizendo que a Apple Inc. não abriria uma loja no Brasil com essa tributação “louca” e “super alta”. Quatro anos mais tarde, o sucessor de Steve Jobs tinha uma mensagem diferente para os brasileiros. “‘Obrigado’ a todos que visitaram a nossa nova loja”, twitou em fevereiro, o presidente Tim Cook, após 1.700 pessoas se aglomerarem em um shopping do Rio para a abertura da primeira loja da Apple na América Latina. “Somos brasileiros, com muito orgulho com muito amor”, cantavam seus funcionários vestidos com camisetas azuis, adaptando uma música ouvida em estádios e bares durante jogos da seleção brasileira de futebol.

A Apple é uma das muitas marcas estrangeiras que estão “apaixonadas” pelo Brasil, embora, os brasileiros, mergulhados em uma recessão econômica, não estejam. Com o país sediando a Copa do Mundo deste ano e preparando-se para sediar os jogos Olímpicos de 2016, o otimismo que levou à candidatura aos dois eventos esportivos mais famosos do planeta, simplesmente evaporou. A inflação e o crescimento debilitado estão apertando a nova classe média do Brasil, cuja revolta é tão intensa e abrangente que seus alvos incluem a Copa do Mundo, algo tão maravilhoso em um país que é a definição da paixão pelo futebol.

Manifestantes têm criticado a seleção brasileira, a taça da Copa do Mundo e a presidente do país, Dilma Rousseff, quem os brasileiros consideram responsável pelos gastos extravagantes em estádios, negligenciando os serviços públicos básicos. Em maio, motoristas de ônibus de São Paulo paralisaram 261 quilômetros (162 milhas) de tráfego, quando jogaram suas chaves fora em sinal de greve, uma imagem apropriada para um país que está estagnado após anos de rápido crescimento econômico.

Os investidores estrangeiros continuam a chegar, atraídos por algo que nem altos impostos conseguem afastar: consumidores jovens, cada vez mais instruídos e influentes. Empresas, tão diversas como a Forever 21 Inc., conhecida por roupas femininas baratas e da moda, e a montadora de carros de luxo Bayerische Motoren Werke AG, estão criando raízes este ano. “O Brasil mudou”, diz Arturo Pinheiro, chefe da BMW Brasil Group, que está investindo 200 milhões de euros (US$ 276 milhões) em uma montadora com previsão de inauguração para este ano em Araquari, no sul do país. “Há alguns problemas, porém, com o foco correto, eles podem ser resolvidos.” Pode ser difícil encontrar brasileiros comuns que concordem com Arturo, em meio a denúncias de manifestantes atacando a polícia com pedras ou, em um conflito, em maio atirando na polícia com flechas, e reclamações generalizadas sobre a corrupção pública.

Quando o país foi condecorado com os dois eventos esportivos na última década, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou simplesmente Lula para os brasileiros, foi aclamado como um fazedor de milagres. O ex-líder sindical conduziu uma explosão épica durante os seus oito anos no governo, de 2003 a 2010, com a referência do índice de ações da Ibovespa crescendo até seis vezes, e um crescimento econômico anual atingindo 7,5%. Isto permitiu que Lula alocasse dinheiro ao seu ambicioso programa social Bolsa Família, que dá aos brasileiros de baixa renda uma bolsa mensal em troca de levar seus filhos à escola, e ajudou a reduzir a taxa de pobreza pela metade. Brasileiros anseiam por aqueles dias agora.

O crescimento econômico caiu para pouco mais de 2% anualmente, e o mercado de ações caiu mais de 20% em três anos no governo de Dilma Rousseff, a ex-chefe de estado de Lula. Uma parte importante disso pode ser atribuída à diminuição do interesse, uma vez enorme, da China em commodities brasileiras. Ano passado, o Brasil, um grande produtor de carne bovina, frango, soja e outros bens agrícolas, quase teve um déficit comercial pela primeira vez desde 2000.

Longe de mostrar os pontos fortes do Brasil, a Copa do Mundo está destacando um ponto fraco essencial. Lula prometeu que os projetos para os jogos iriam impulsionar investimentos em melhorias de transporte, e Dilma promoveu um Programa de Aceleração do Crescimento, conhecido como PAC, que iria revigorar a economia. Em vez disso, os $3,6 bilhões gastos em novos estádios foram quase quatro vezes mais que as estimativas iniciais. Outros projetos também afundaram: Contas Abertas, uma organização que trabalha para transparência do governo, disse em abril que somente 12% das obras públicas planejadas foram concluídas. Um trem-bala prometido ligando o Rio a São Paulo foi engavetado.

Um vídeo do YouTube na cidade de Porto Alegre capturou a disposição do público: Nele, jovens dançam ao som da música “Happy” de Williams Pharrell, passando por montes de terra, estradas esburacadas e pixação ofensiva, conforme as previsões oficiais extravagantes para a prosperidade da copa ficaram para trás. “Temos vergonha de receber estrangeiros neste caos”, diz Ana Trindade, 40, que organizou um protesto em Porto Alegre, uma das cidades sede da Copa do Mundo e que já foi terra de Dilma. “A Copa do Mundo não deixará nenhuma herança, somente mais dívida e menos investimento em saúde, educação e transporte.” Um herói da Copa do Mundo, agora político da oposição coloca isso ainda mais claramente: “Estou torcendo para o Brasil ganhar dentro do campo”, diz Romário, um atacante da seleção que venceu a Copa do Mundo de 1994. “Fora do campo, nós já perdemos.”

Como isso se enquadra ao entusiasmo de um núcleo de investidores? Lembrando que 30 anos atrás, o Brasil era regido por 20 anos por um regime militar autoritário. Dilma Rousseff, 40 anos atrás, era uma guerrilheira marxista que foi detida e torturada. Agora, os brasileiros expressam a insatisfação com o seu governo pacificamente, na sua maioria, e buscam respostas nas eleições. Quando o Partido dos Trabalhadores de Dilma enfrentar os eleitores em outubro, a eleição será baseada em problemas administrativos básicos, como na maioria das outras democracias ocidentais.

As mudanças na gigante comercializadora do título Pacific Investment Management Co. reflete esta estabilidade. Em janeiro, a Pimco exasperou sobre o Brasil. O fundador, Bill Gross, disse que o país deixou de ser um mercado emergente preferencial. Alguns meses mais tarde, uma equipe de analistas de crédito da Pimco visitou o país e voltou com um ponto de vista completamente diferente. O pessimismo profundo dos brasileiros, disseram os analistas, era ótimo para investidores.

O pessimismo iria impulsionar mudanças, disse Mark Kiesel, diretor vice-presidente de investimentos da Pimco, em um relatório de abril. E se este fosse o caso, investidores estavam subestimando a capacidade do Brasil: uma grande base de recursos, um governo democrata e demografia favorável, incluindo uma média de idade de 30,7, quando comparado com 46,1 na Alemanha e Japão, e 37,6 nos EUA. “Resumindo, há um momento de pegar a estrada menos percorrida, quando muitas más notícias são consideradas”, escreveu Kiesel.

Há tempos conhecido pela fabulosa riqueza misturada à dramática pobreza, o Brasil agora tem uma classe média que soma 109 milhões, de acordo com a empresa de pesquisa Data Popular. O secretariado de assuntos estratégicos do governo define classe média como renda per capita média mensal de 291 reais (US$ 124) a 1.019 reais, com base nos dados de meados de 2012. Embora isso não seja rico pelos padrões de países desenvolvidos, cerca de 29 milhões de brasileiros estão nas classes de renda mais altas da nação, comparadas a 13 milhões em 2002, de acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Eles têm uma renda familiar média de 5.329 reais por mês ou mais.

Com a montadora que está construindo em Araquari, a BMW tem como alvo os consumidores com maior poder aquisitivo. O presidente da BMW Brasil Group, Pinheiro, 49, é natural de São Paulo e retornou à cidade. Nos anos 90 e início de 2000, Pinheiro trabalhou para a BMW na Espanha e nos EUA. “O país estava quebrado quando eu saí”, afirma. Ele relembra o caos causado pela inflação anual de 500% nos anos 80; em 2014, economistas estão preocupados com a inflação se aproximando do limite máximo declarado pelo governo de 6,5%.

Um lento crescimento dos salários e dívida crescente têm abalado os gastos do consumidor, mas uma taxa de desemprego abaixo de 5% tem evitado que a classe média diminua. “Eles estão aprendendo sobre o consumo pela primeira vez”, diz Pinheiro. “Conforme começam a consumir, é muito improvável que irão parar.” Esses consumidores são uma vantagem para ambas as empresas brasileiras e internacionais. Após as rendas mensais médias quase dobrarem de 2006 a 2012, famílias brasileiras puderam adquirir mais do que apenas itens básicos. As vendas de alimentos embalados cresceram 9% por ano no país nos últimos 5 anos, e o setor pode acrescentar outros $75 bilhões em vendas até 2018, estima Sean Walker, presidente da General Mills Inc., da América Latina, a fabricante de Cheerios com base em Minneapolis.

“Não temos motivo algum para nos preocupar”, diz Abílio Diniz, que transformou uma rede de supermercados no maior varejista do país e é agora o bilionário presidente da BRF SA, a maior produtora de alimentos do Brasil. “Este país tem fundamentos sólidos.” Mas também tem pontos fracos básicos, de acordo com a estimativa do Banco Mundial, e não estão sendo endereçados com urgência. Em termos de facilidade de fazer negócios, o banco classifica o Brasil como no. 116 de 189 países. Em 2006, era no. 119. Isto reflete uma burocracia bizantina em um país famosamente protecionista. Como uma frase em português diz, “para inglês ver.” A frase originalmente se referia às leis de abolição aprovadas pelo Brasil nos anos 1800 sob pressão britânica; significa que algumas políticas são apenas para formalidade.

Devido aos impostos e tarifas mencionadas por Steve Jobs, o iPhone 5s vendido pela Apple no Rio exibidos em outdoors nas cores verde e amarelo do Brasil, com o slogan “Que bonito é”, é o mais caro do mundo, vendido a US$1.257. Isto comparado com US$649 nos EUA. Em março, Guido Mantega falou aos alunos do curso de Economia em uma universidade de São Paulo. Ele apresentou o argumento para as políticas de seu governo e para o campo pró-investimento. O Brasil superou a crise financeira de 2008 melhor que a maioria das principais economias, enquanto aumentou reservas estrangeiras para mais de US$370 bilhões, disse ele. Guido apontou para os 20 milhões de empregos criados desde 2003. Disse que gastos com infraestrutura poderiam ajudar o crescimento a atingir 4% anualmente nos próximos oito anos.

A última contenção é notavelmente otimista: Economistas pesquisados pela Bloomberg estimam um crescimento de 1,8% em 2014, 2% em 2015 e 2,7% em 2016. Se Guido Mantega estiver certo, então, certamente “que bonito é” para a Apple e Tim Cook. Se os pessimistas, e o povo brasileiro, estiverem sendo mais realistas, pode ser que Steve Jobs esteja certo mais uma vez.

Peter Robison é diretor do escritório de Seattle da Bloomberg News. robison@bloomberg.net
David Biller cobre a economia e o governo brasileiro no Rio de Janeiro. 
dbiller1@bloomberg.net
Christiana Sciaudone cobre empresas brasileiras em São Paulo. 
csciaudone@bloomberg.net
Com o auxílio de Tariq Panja no Rio e Adam Satariano em São Francisco.