Eu me canso de explicar porque fotografo tanto as estações ferroviárias por onde passo com a Alinne-Bike. Porque não tem explicação clara e lúcida para os inquiridores. A grande maioria deles são jovens demais para entender o que é um trem, exceto aquela pequena parcela que viaja anualmente à Europa para ver o que não temos aqui: trens, construções antigas restauradas, urbanidade e educação da população, ruas limpas, ciclistas em harmonia com motoristas e tantas outras coisas tão difícil de se conseguir… talvez porque deve ser muito trabalhoso, talvez até doloroso, se fazer culto.
Na infância e até a maioridade – 18 anos, naquela época – o trem era meu transporte de longa distância, assim como o de muita gente paulista. Se bem me recordo, outros estados não contavam com malha tão vasta como São Paulo.
Visitando uma estação ferroviária a imaginação se solta e ponho-me aos devaneios, como uma criança nos dias de hoje que se faz super-herói. E lá vou eu embarcando e me ajeitando em busca de uma vaga nos bancos duros da segunda classe ou nas confortáveis poltronas da primeira, essa inclusive com direito a frequentar o carro-restaurante. Nós, os da segunda, nos contentávamos em nos alimentar com os prato feitos que os garçons ofereciam com seus carrinhos metálicos, pesados e um tanto desengonçados, apesar de funcionais, pois não me recordo de algum embaraço provocado por algum deles.
Raramente tínhamos dinheiro para a refeição, o que se revelava um pequeno martírio – geralmente as viagens eram demoradas, por exemplo, de São Paulo a Marília: seus 500 km de distância eram vencidos após cerca de 24 horas ininterruptas. Ou quase: haviam estações em dezenas de povoados existentes entre uma cidade maior e outra, o roteiro era o que se chamava via-sacra. Além da parada demorada e impaciente em Cabrália Paulista, onde se trocava de locomotiva. Até ali a motorização era eletrificada, além, entrava o óleo diesel. Desse ponto em diante, os usuários evitavam ficar nas “emendas” dos vagões, onde se apreciava a paisagem diretamente. (Tal local era assim: havia uma porta, por onde se fazia o embarque, que era dividida horizontalmente em duas partes: abria-se a metade superior e ficavam os mais espertos, que chegavam primeiro, com parte do corpo fora do trem, algo como…realmente não dá para explicar, só desenhando). A fumaça do óleo diesel empesteava a roupa e os cabelos, nossas mães brigavam todo o tempo conosco, sempre e repetidamente, em cada viagem…
Fotografo para manter minha infância presente, uma vez que esse mundo de adultos atual é bem difícil de se suportar, a não ser àqueles que têm muito dinheiro, ou os que se refugiam em drogas, ou na metafísica. Tenho no momento na tela do meu computador uma foto da estação de Brotas, que mantém bem vívidas essas lembranças… e me mantém vivo.
*Técnico em informática e ciclista que pedalou por diversas cidades do estado de São Paulo.