No dia 30 de janeiro de 2016 a Unesp completa 40 anos. Lançado para trás, o olhar recolhe dessa história muitos louros, muitas conquistas, avanços acadêmicos incríveis para tão pouco tempo. Se hoje a colheita se mede em graus crescentes de internacionalização e em volumes acelerados de produção científica reconhecida e citada, de egressos em todos os níveis do ensino superior, de pesquisas relevantes em todas as áreas do conhecimento, no passado ela foi aquilatada pela criação de oportunidades de acesso ao ensino superior (tão escassas), pela presença de centros de formação e pesquisa em diversos e às vezes esquecidos pontos do Estado de São Paulo, pela iniciativa governamental para superar o raquitismo quantitativo e qualitativo da universidade no país. Tudo graças a lideranças políticas e universitárias cuja memória cabe hoje reverenciar, tomando como positivo e significativo o saldo obtido descontando-se os erros dos acertos. E sem deixar de considerar que o sujeito coletivo – a comunidade acadêmica unespiana como um todo, em seu devir histórico – é, de longe, o único herói de quem todos, sem exceção, são devedores.

O momento atual encontra a Unesp madura e robusta, sem perder o frescor necessário ao exercício da reflexão, da pesquisa, do ensino, do debate. Mas também lhe coloca desafios novos, de difícil enfrentamento, entre os quais se sobressaem o dilema do financiamento público (em contexto de recorrentes crises fiscais e permanentes disputas por fatias orçamentárias) e as exigências contemporâneas para o reconhecimento na comunidade científica global, que impõem padrões de excelência extremamente elevados, com o agravante de desconsiderar as diferenças históricas e as distintas demandas que recaem sobre as instituições universitárias dos países em desenvolvimento.

Mesmo sem esmiuçar esses macrodesafios em itens e tópicos dos fazeres e da gestão universitária, é possível perceber, com facilidade, que o futuro da Unesp exige, para ser bem-sucedido, uma condução muito esclarecida e cautelosa das políticas internas e das relações (com a sociedade, com os governos e com os atores do ambiente científico local e internacional etc.), cujo traçado, implementação e monitoramento só é possível sob lideranças extremamente hábeis – científica, administrativa e politicamente; capazes, sobretudo, de urdir pactos com toda a comunidade e entornos, identificando jogos de ganha-ganha legítimos e articulando programas, planos, projetos e atividades eficientes, eficazes, efetivos e financeiramente sustentáveis, convincentemente vantajosos para a comunidade que sustenta o orçamento da instituição. Disso dependerá o que poderá ser visto por um olhar que se lance sobre os próximos 40 anos.

No ambiente complexo e conflagrado de um mundo e de um país que parecem viver um “momento intervalar” (de busca de rumos com bússola titubeante) a tarefa fundamental para que a Unesp não se perca, nem desperdice tempo, recursos, talentos, e oportunidades é não perder de vista, ter sempre em mente e em pauta, nos diálogos prospectivos e nos esforços diagnósticos, alguns valores e princípios, dos quais parece útil destacar os seguintes, neste exato momento:

– universidade não é fábrica e a produção e a produtividade acadêmicas não podem ser avaliadas com os mesmos padrões, ritmos e métricas utilizados no ambiente fabril, mesmo tendo este se transformado, também, num espaço denso em conhecimento, em que o braçal perde espaço para o cerebral;

– gestor acadêmico não é capataz e, portanto, não pode lançar mão de outros instrumentos para obter resultados senão o diálogo, o argumento, a negociação: acima de tudo, é par;

– autonomia universitária não pode ser confundida com soberania, pois esta nem o governante possui diante da sociedade, de quem recebe mandato temporário; mas, por outro lado, a universidade não pode responder sempre positivamente a demandas e aceitar passivamente as restrições originadas dos governos que a sustentam – seu senso crítico é uma reserva a serviço e a bem da sociedade;

– ciência de qualidade não tem padrão único e selo internacional de validação inquestionável: o diálogo entre o conhecimento que se produz no mundo com os problemas e possíveis soluções cabíveis à realidade nacional é fundamental – sem ele o máximo que pode ocorrer é a reprodução do pensamento e a réplica de erros e acertos, sem densidade nos processos de construção do saber e, portanto, sem conquista significativa para o conhecimento e para a capacidade de ampliá-lo;

– internacionalização das instituições universitárias é consequência da excelência e não resultado de exigências ou incentivos para simplesmente “internacionalizar” a pesquisa, sem que isso implique qualquer rejeição à ambição de diálogo com os centros de excelência no mundo;

– sem que volte a ser um ambiente cultural rico e estimulante (no qual as Humanidades desempenham papel chave), a universidade não será mais do que qualquer outro espaço de produção e disseminação de conhecimento, provavelmente tendo dificuldades para competir com outros espaços similares, inclusive aqueles no interior das empresas;

– o uso de tecnologias facilitadoras do aprendizado e ampliadoras da produtividade científica é um dado de realidade inevitável, mas não deve turvar a certeza de que a interação humana e o contato intergeracional, tanto quanto possível dotados do calor da antiga relação mestres-discípulos (reinventada e reencantada), têm valor em si, nos fazeres universitários, e devem ser preservados a todo custo nos processos de ensino-aprendizado e de iniciação-orientação.

Feliz aniversário, Unesp, muitos anos de vida! Muitas vidas em suas veias, muitas veias em seu corpo, irrigadas pelo apreço ao conhecimento e aquecidas pelo sopro da sabedoria!

* é economista e professor do Departamento de Administração Pública da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara