“É a economia, estúpido!”. Esta frase notabilizou James Carville, o marqueteiro das campanhas do ex-presidente americano, Bill Clinton, e correu o mundo por lembrar que, em disputas eleitorais, o que conta é o dinheiro no bolso do cidadão comum, do chamado “eleitor mediano”. Satisfeito, ele elege até poste de iluminação de rua, com lâmpada queimada.
De fato, frase lapidar, amparada pela teoria econômica convencional, para a qual o homem se reduz à sua condição “natural” de agente econômico racional-maximizador de seus recursos escassos. Teoria econômica essa que, num país como os Estados Unidos, cai como uma luva, até porque trata-se de uma nação que foi construída por mãos que sempre desejaram essa luva, dado o individualismo congênito do americano médio, que faz do mercado americano o reino por excelência do capitalismo.
A mesma frase não deixa de ser verdadeira para o Brasil, mas só até certo ponto. Até o ponto em que os brasileiros, assim como os americanos e, de resto, como todos os indivíduos que vivem em contextos mercantis-capitalistas, precisam de dinheiro para sobreviver e, se for possível, também viver um pouco. E premiam os candidatos que facilitam ou não dificultam essa busca interminável.
A frase deixa de se aplicar aos brasileiros a partir do ponto em que o mercado, por aqui, se revela incompleto e periclitante. Não só porque as elites locais cultuam a “mão-invisível” (cognome dado por Adam Smith ao mercado) somente enquanto ela não atrapalha os seus interesses pré-capitalistas, feudais. Mas também porque, no Brasil, ideologias atrasadas, que beiram ao escravismo, impedem, de um lado, uma distribuição da riqueza e da renda que gere uma classe média numerosa (base de qualquer sociedade afluente, como a americana) e, de outro lado, obstruem a “emergência do indivíduo”: pobres e com baixa autoestima, milhões de brasileiros jamais se tornarão os empreendedores-padrão que os americanos são – e terminam consumidores da literatura de autoajuda (tantas vezes traduções americanas).
Ou seja, por aqui, a frase de Carville pode ser substituída com vantagem por “É a ideologia, estúpido!”. É a ideologia que impede que a economia funcione como deve, se o que se quer é capitalismo. Qual ideologia? A ideologia escravocrata do senhor de engenho de cada residência de classe média ou pequena empresa, o “liberalismo-estatista” do industrial subsidiado e corruptor nos processos de compras públicas, o “republicanismo-lá-de-casa” dos políticos patrimonialistas e do funcionalismo público em busca de vantagens pessoais, a mentalidade de “Estado distribuidor de esmolas” em lugar do Estado do bem-estar social que a cidadania aceita.
Nas crises, como a atual, “É a ideologia, estúpido!” se junta a “É a economia, estúpido!”, e o que se vê é o que as ruas estão mostrando.
*professor e pesquisador do Departamento de Administração Pública da Unesp de Araraquara.