A proposta da “Escola sem partido” está na mesa. Por considerar que uma discussão tão importante como essa tem sido por vezes abordada com certa superficialidade, gostaria de expressar aqui as razões pelas quais considero que esse projeto de lei é um estrondoso – e perigoso – engodo.

Embora o nome soe bem, o pilar fundamental desse projeto é bem mais amplo: a abordagem em sala de aula não poderia usurpar o direito dos alunos receberem valores, educação e moral de acordo com as convicções dos pais.
Pois bem. Gostaria de compartilhar com vocês um episódio pessoal. Minha família teve origem humilde no interior. Quando eu era pequeno, era cultura em minha família que nos dias de chuva com trovoadas era perigoso ter espelhos em casa. Lembro-me de sair pela casa removendo ou cobrindo espelhos em dias de chuva forte. Bem… Essa era uma crença. Minha família estava convicta de que isso era perigoso, e agia, de acordo com sua crença, com a melhor das intenções, para o bem de todos. Foi na escola que uma professora me ensinou que isso não tinha qualquer fundamento.
Imaginemos uma aula sobre a origem da vida. De acordo com o projeto, o professor apresentaria aos alunos o conceito do darwinismo e também a versão de Adão e Eva. Ao ouvir a pergunta “professor, qual dessas versões está correta?”, a resposta do professor teria que ser “pergunte ao seu pai”. Essa seria a mesma resposta a ser dada para praticamente qualquer pergunta formulada em uma aula de história, já que a leitura de fatos históricos e políticos, é, por natureza, dependente de quem a faz.
É papel da escola justamente quebrar paradigmas e estimular a visão crítica dos jovens à luz dos conhecimentos da nossa sociedade. Essa quebra pode – e deve – acontecer nos tópicos científicos, morais, éticos, religiosos, políticos e tantos outros. A escola não é um carrinho de compras onde alguém escolhe só os produtos que quer: a escola deve preparar para a vida real e não pode haver assunto ou opinião proibida. Por mais que se queira, não há como separar a opinião do professor da interpretação dos conteúdos e fatos.
O aluno não é uma cópia de seus pais, nem tampouco do professor. É um indivíduo. É papel do sistema educacional fazer com que o aluno receba informações e interpretações diversas sobre conteúdos de todas as naturezas para que ele possa, aos poucos, formular sua própria opinião sobre os mais diversos temas. Essa formulação só pode ser mediada pelo próprio aluno, ponderando o que ele vivenciou na escola com os conceitos que ele traz consigo. Bem mais do que isso, o suposto direito dos filhos receberem educação moral apenas de acordo com as convicções dos pais é perigoso na medida em que usurpa dos filhos o direito constitucional à liberdade de consciência e de crença. Para fazerem suas opções, as pessoas precisam de informação e formação. Ninguém opta pelo que não conhece.
O que se deve garantir é a pluralidade de conteúdos e discussões na escola. Esse projeto de lei, infelizmente, vai exatamente no sentido contrário. É claro que existem abusos por parte de educadores, de várias formas. Contudo, não vamos tomar o todo pela parte. Uma mordaça na escola não é a solução e devolveria à cena censores de métodos ou conteúdos. Quero acreditar que já superamos essa fase.
Não vamos, por favor, contaminar a educação com o clima de ódio político-partidário. Deixemos a escola fazer o seu trabalho.

Professor Livre-Docente do Instituto de Ciência e Tecnologia de Sorocaba (ICTS), vice-diretor do Campus de Sorocaba da Unesp e membro do Conselho Municipal de Educação de Sorocaba.