Aristóteles, ainda antes de Cristo, percebia o homem como naturalmente político. Em síntese, os anseios e as vontades do indivíduo eram diferentes dos outros animais, sobretudo, nas realizações em comunidade. Mas assim como o rio de Heráclito, as águas são outras. A concepção de homem político vem sendo remodelada como sinônimo de “neutralidade”, um conceito confuso subserviente para o adestramento de determinados grupos.

Vamos à nossa realidade. Alguns brasileiros descobriram a política nas manifestações de 2013 e beberam pela primeira vez do cálice do sujeito político. Anteriormente degradado, para ainda ficar em Aristóteles, este grupo nasceu determinado a extinguir o hastear das bandeiras partidárias. No parto em plena Ágora, aquele movimento político por essência não deveria ser representado por outros indivíduos políticos. A consequência dessa perigosa gestação resultou no instrumento de censura nomeado de “neutralidade”.
A estratégia da neutralidade tem como objetivo descaracterizar e silenciar o discurso que desagrada certo galho ideológico. Com a bandeira da neutralidade à mão, o ilusionismo consiste em substituir ou impor de forma autoritária uma doutrina como pensamento hegemônico. Se bem alimentada, uma nova cabeça surge na perigosa Hidra de Lerna, a saber, o Escola “Sem” Partido, um movimento ideológico esfumaçado pelo falso discurso da neutralidade que objetiva pescar cérebros desavisados para um projeto de robotização humana para o trabalho e aprimoramento da alienação social. Em pele de cordeiro, o projeto aproveita o clima de polarização política para envenenar parte da população – especialmente os ex-degradados – do terror de um ensino doutrinário.
O Escola “Sem” Partido tornou-se um cenário de propaganda de margarina. Crianças felizes, bem educadas, sedentas pelo aprendizado. Nessa concepção alucinógena da realidade educacional, as crianças são impedidas de alcançarem o nirvana educacional por causa de professores doutrinadores, autoritários e, obviamente, esquerdistas bárbaros canibais. Só há uma saída: a higienização doutrinária. Equipados com o aerossol “mata-doutrina”, os paladinos do Escola “Sem” Partido borrifariam ares de neutralidades por todo ambiente escolar. De forma menos caricata, o perigoso movimento Escola “Sem” Partido é apenas um dos instrumentos da tentativa de deslegitimação da educação pública em vista de um projeto de privatização do ensino e modelação de estudantes para a emergente necessidade da mão de obra ultra barata. A retórica da neutralidade corrobora com essa iniciativa ao higienizar qualquer tentativa de pensamento crítico.
O Escola “Sem” Partido transforma o professor em um inimigo social a ser combatido. Isenta a responsabilidade dos governos, das estruturas e das condições de trabalho para a execução do seu ofício. Ao propor o adestramento pedagógico e a mordaça à moda nazista, descarrega todas as mazelas do descaso do ensino no professor. A rigor, é um movimento político por definição.
Albert Einstein lutou contra o nazismo. Galileu negociou com o mecenato de sua época. Carlos Chagas era médico e político na saúde pública. Não existe, portanto, ciência antecedente à sociedade, ao homem político. A crença na neutralidade é o fausto da imaturidade do indivíduo ao pensar a política. É um certificado de manipulação.
Termino com a seguinte frase – sem revelar prontamente seu autor: “Não deve existir uma separação radical entre o mundo da política e a vida cotidiana, nem muito menos entre valores e interesses práticos” (O papel da oposição, 2011). Esta é a recomendação de Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo e ex-presidente que em parte da sua trajetória de vida sentou à mesa com Florestan Fernandes e nas décadas seguintes tilintou com o Fundo Monetário Internacional. Nesse sentido, não discordo de Aristóteles e do Príncipe. A mordaça proposta pelo Escola “Sem” Partido é uma pauta partidária, uma engenharia de partidos de direita na busca de votos e espoliação.
Mas talvez devêssemos permanecer no óbvio da degradação e culpar o comunismo. É saída mais fácil e menos complexa.

*Leonardo Dallacqua de Carvalho é graduado e mestre em História pela UNESP. Atualmente doutorando em História na Fundação Oswaldo Cruz-RJ.