A justiça de São Paulo condenou na madrugada desta segunda-feira (5) a bacharel em direito Elize Matsunaga pela morte do marido, Marcos Kitano Matsunaga, diretor da Yoki alimentos, em maio de 2012. Elize foi condenada a 19 anos, 11 meses e 1 dia de prisão em regime fechado. O júri, iniciado na segunda-feira (28), ocorreu no Fórum Criminal da Barra Funda, na Zona Oeste da capital paulista.
O julgamento durou sete dias e foi um dos mais longos da Justiça de São Paulo. O júri foi formado por quatro mulheres e três homens. Eles ficaram reunidos por mais de 2h30 para definir o julgamento. O juiz Adilson Paukoski deu a sentença às 2h07 desta segunda-feira.
Elize ouviu a sentença já vestida com camiseta branca, calça caqui e chinelo de dedos com as mãos para trás. O juiz não permitiu que se fizesse imagens dela.
Ela foi condenada a 18 anos e 9 meses por homicídio sem chances de defesa da vítima, e mais 1 ano, dois meses e 1 dia por destruição e ocultação de cadáver. Os jurados não consideraram as qualificadoras “motivo torpe” (por vingança e dinheiro) e “meio cruel” (que a vítima ainda estaria viva quando foi esquartejada), pedidas pela promotoria. Elize já cumpriu 4 anos e meio de prisão antes do julgamento.
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Defesa vai recorrer
A defesa de Elize diz que vai recorrer da sentença. “O juiz subiu demasiadamente essa pena, não refletiu a decisão dos jurados. A dosimetria foi completamente equivocada no nosso entender”, disse o advogado de defesa Luciano Santoro. “Conseguimos afastar duas qualificadoras em um julgamento difícil. Tenho certeza que o tribunal vai reformar essa pena.” Segundo ele, Elize já assinou o requerimento recorrendo da sentença.
A promotoria afirmou que não deve recorrer. “Foi um julgamento justo e ela merecia aquilo que a sociedade reconheceu. Se recorrermos a pena não será muito maior. Não estou satisfeito. Estou satisfeito porque a justiça foi aplicada. Ela cometeu um crime hediondo, um assassinato frio. A meu ver a pena deveria ser entre 19 a 25 anos. Vou pensar se a gente vai recorrer”, disse o promotor José Cosenzo.
Elize volta ainda nesta segunda-feira para o presídio de Tremembé, no Vale do Paraíba, onde está presa desde 4 de junho de 2012.
Elize era ré confessa do crime, cometido em 19 de maio de 2012. O julgamento serviu para definir o tempo de pena que ela irá cumprir. Além da morte, ela respondeu por destruição e ocultação de cadáver.
Os jurados tiveram de responder às seguintes questões:
- Marcos Matsunaga morreu e foi esquartejado no apartamento do casal na noite de 19 de maio de 2012?
- Elize matou Marcos Matsunaga?
- O júri absolve a ré pela acusação de homícidio?
- Ela cometeu o crime sob violenta emoção?
- Ela matou por motivo torpe porque queria se vingar do marido e buscava o seguro de vida dele e o dinheiro?
- Ela deu chances de defesa para Marcos?
- A acusada agiu por meio cruel e a vítima estava viva quando foi esquartejada?
- O corpo da vítima foi destruído e ocultado?
- Foi Elize quem ocultou o cadáver?
- O júri absolve a ré pela acusação de ocultar e destruir o cadáver?
A defesa de Elize sempre sustentou que ela atirou na cabeça de Marcos, no apartamento do casal, para se defender das agressões dele durante uma discussão. Segundo ela, ele morreu na hora. O motivo da discussão era o fato dela ter contratado um detetive particular que descobriu que o marido a traía com uma prostituta. Elize contou que, desesperada, decidiu usar uma faca para esquartejar o corpo em sete partes e jogá-las em Cotia, Grande São Paulo. Os advogados Luciano Santoro e Roselle Soglio alegaram ainda que ela agiu sozinha.
A acusação discorda: trata o crime como premeditado e que Elize matou Marcos para ficar com o dinheiro dele. Segundo a Promotoria, ela planejou o assassinato, atirando no marido quando ele vinha com uma pizza para casa (câmeras de segurança gravaram o momento que ele entra no elevador). O tiro foi à queima-roupa, segundo o Ministério Público Estadual), mas a vítima ainda estava viva e só morreu após ter sido esquartejada. A causa da morte não foi o tiro, mas ele ter se asfixiado com o próprio sangue provocado pelo corte no pescoço. O promotor José Carlos Cosenzo ainda suspeita que Elize teve ajuda de outra pessoa para ocultar o corpo e que tenha usado uma serra elétrica para desmembrá-lo.
Elize foi interrogada por mais de seis horas neste domingo. Ela optou por não responder às perguntas da acusação sob orientação de sua defesa. A ré disse que “não estava normal” quando atirou e disse que se arrependeu de ter atirado. Elize afirmou também que atirou em Marcos antes de ver o vídeo da traição do marido com uma amante.
“Eu poderia ter feito um milhão de coisas, mas eu não estava normal naquela hora. Eu não estava normal”, disse Elize ao ser indagada pelo juiz Adilson Paukoski sobre o motivo de ter atirado no marido.
O juiz perguntou porque Elize optou pelo tiro. “Não é optar pelo tiro. Eu estava sentindo um bando de coisas”, disse ela, que disse estar se sentindo ameaçada.
Na noite do crime, Elize conta que resolveu tirar satisfações após descobrir a traição do marido.
Depois de Marcos voltar com a pizza para o apartamento, imagem gravada pelas câmeras internas do prédio, Elize conta que ficou com o marido e a bebê dormindo no quarto do imóvel.
“Nessa hora não aguentei e falei para ele parar de mentir”, disse à vítima. “Eu já sei de tudo. Contratei um detetive”. Segundo ela, Marcos a chamou de vaca, vagabunda e deu um tapa no seu rosto. Ela conta que ficou com medo da reação do marido que estava com uma outra arma próxima a ele.
Então, Elize pegou uma pistola .380. “Aí fui para a sala e peguei uma arma”, disse. “Ele gostava de armas. Passei a me interessar por armas depois que o conheci. Ele tinha medo de invadirem o apartamento. Eram armas de defesa”, explicou ela sobre quando aprendeu a atirar.
A acusada conta que só queria mostrar para Marcos que estava armada para intimidá-lo, mas não queria atirar. “Na hora que peguei a arma eu me arrependi. O que eu estou fazendo?”, questionou.
Elize conta que só apontou a arma para o marido porque ele foi para cima dela. “Só apontei, não mirei. Eu não queria atirar nele”.
A acusada disse que estava com a arma apontada na direção da cabeça e pescoço da vítima. “Ele começou a rir e falou que eu era uma puta”.
“Quando ele falou que eu não ia ver mais minha filha, eu não aguentei. Eu disparei. É só vi que acertou na cabeça’, diz ao juiz aos prantos ‘Eu só atirei. Eu estava com um turbilhão de emoções”, relatou. “Quando eu vi ele caído, eu fiquei desesperada”, disse.
Segundo Elize, desentendimentos começaram quando ela descobriu a primeira traição. Elize disse que ficava brava quando Marcos falava mal de sua família. “Chamava meu pai de vagabundo”. “Se eu segui um caminho torto não é culpa deles”, afirmou a ré, chorando, ao falar da família.
Elize diz que ela e Marcos abatiam animais a tiros para comer, como veado, porco do mato, perdiz e javali. Disse ainda que o casal costumava desossar os animais.
Perguntada se arrependia do crime, Elize disse: “Muito. Infelizmente não posso voltar no tempo”.
O juiz perguntou de onde ela mandou e-mails para a família de Marcos se passando por ele. “De casa”, respondeu Elize. Ela afirmou que julgava que o marido estivesse morto quando cortou o pescoço dele. Disse que os sacos plásticos usados para colocar corpo de Marcos foram comparados em supermercado.
“Quando detetive disse que ele estava me traindo, eu senti um alívio porque eu não era louca”, diz Elize.
Esquartejamento
Após atirar em Marcos, Elize conta que arrastou o corpo do marido até o quarto para escondê-lo. “Eu não sabia o que iria fazer”.
Ela chegou a usar produtos de limpeza para limpar o rastro de sangue. “Fiquei pensando desesperada o que iria fazer”.
O juiz Adilson Paukoski indagou porque ela fez tantos cortes no corpo de Marcos. “Porque ele era pesado”, disse.
Ela conta que começou a esquartejar a vítima pelos joelhos. “Era mais fácil para fazer porque eu sabia que só tinha ligamento. Depois, cortei a barriga”, detalhou.
Após cortar todo o corpo, Elize afirmou que colocou as partes em um saco e depois colocou os pedaços na mala. Segundo ela, o esquartejamento ocorreu após a chegada da babá no dia 20 de maio, um dia após o crime.
Júri de sete dias
Ao todo 16 testemunhas prestaram depoimento no julgamento de Elize Matsunaga.
1º DIA (SEGUNDA-FEIRA): Elize chorou várias vezes durante os depoimentos. No primeiro dia foram ouvidas duas babás e o detetive particular contratada por ela para flagrar o marido com uma amante. Uma das babás afirmou que Elize comprou uma serra elétrica um dia antes do crime. Ela disse que tinha medo da ex-patroa e pediu para Elize sair da sala. O detetive particular afirmou que flagrou o marido de Elize com uma amante.
2º DIA (TERÇA-FEIRA): A imagem da cabeça cortada de Marcos Matsunaga foi mostrada para Elize. Ela pediu para deixar o júri. Na terça, Elize fez aniversário de 35 anos. Um delegado que investigou o caso afirmou que o marido pagou R$ 27 mil por uma “amante exclusiva” e humilhava Elize.
3º DIA (QUARTA-FEIRA): Um investigador ouvido disse que Elize não reagiu à prisão. Também foi ouvida a prima de Marcos, que afirmou que o casal parecia apaixonado e tinha uma relação de união. Em seguida, foi ouvido o médico legista Jorge Oliveira, que afirmou que Marcos ainda estava vivo quando foi degolado por Elize.
4º DIA (QUINTA-FEIRA): A tia e a empregada de Elize prestaram depoimento. A defesa pediu a anulação do júri depois de saber que o legista Carlos Coelho havia conversado com outro perito, Jorge Oliveira. O juiz negou o pedido. A tia disse que Elize nunca relatou agressão e que Marcos parecia ser um homem bom. A empregada confessou ter encontrado duas armas no quarto casal, e afirmou que limpou o cômodo onde Elize esquartejou o empresário, mas não notou nada diferente.
5º DIA (SEXTA-FEIRA): O dia foi marcado por bate-boca entre acusação e defesa, durante depoimento de mais de nove horas do médico-legista Sami Jundi, principal testemunha da defesa da ré confessa pela morte de seu marido, Marcos Matsunaga. O legista Jundi afirmou nesta que o tiro que atingiu a cabeça de Marcos causou morte instantânea. A afirmação contradiz a versão da acusação, que defende que a degola provocou a morte. Dois colegas de faculdade de Elize também foram ouvidos.
6º DIA (SÁBADO): Foram lidos documentos dos depoimentos colhidos com a mulher apontada como amante de Matsunaga e o reverendo que fez o casamento de Elize e Marcos. Nathalia, que era garota de programa. Imagens da mulher seminua em um site de acompanhantes foram apresentadas no telão na sala do júri. O revereando afirmou que quando foi abençoar a casa, viu que o casal tinha uma coleção de facas. “Ele [Marcos] me falou que tinha armas escondidas pela casa toda”, disse o reverendo em depoimento anterior ao júri. O reverendo teria dado três conselhos a Marcos: jogar fora a chave do cofre, falar com os pais e buscar ajuda psiquiátrica para Elize.
7º DIA (DOMINGO): Elize Matsunaga foi interrogada por quase seis horas. Ela se recusou a responder as perguntas da promotoria, mas respondeu as do juiz e da defesa. Disse que não premeditou o crime. “Na hora que eu peguei a arma, me arrependi. Não sei porque eu voltei. Não sei o que estava fazendo”, disse sobre o tiro e momento que pegou a arma. “Eu queria parar de fazer aquilo. Quanto mais tempo passava, pior ficava. Cada atitude que eu tomava, pior ficava”, afirmou sobre hora do esquartejamento.
Por Gabriela Gonçalves, Paulo Piza, Kleber Tomaz e Paula Paiva Paulo, G1 São Paulo