Você já notou que “pois, não” equivale a “pois, sim”? Pois é, a língua tem dessas estranhezas, que os entendidos explicam, mas puxo daí a necessidade de a gente não se deixar levar pelos manipuladores do poder, sempre de plantão. 

Ouvem-se expressões de poder em qualquer grupo social, desde a família até a sociedade internacional. Poder, respeito, admiração, bajulação, tudo aí se revela. A própria maneira de tratamento interpessoal nos mostra isso. Sabe-se que, na França, a Revolução vitoriosa ordenou o uso obrigatório e exclusivo do tu, como sinal de igualdade entre todos os cidadãos. Mas o “vous” continua lá até hoje! E pensar que, na Roma antiga, todos, inclusive senhores e escravos, se davam o tu e os próprios deuses assim eram tratados. O vós era apenas forma plural. 

Hoje, as antigas relações assimétricas entre nobreza e clero, por cima, e o povo, por baixo continuam reproduzidas, de certo modo. É só observar como são exigentes as regras da etiqueta urbana e do bem falar. Além do formalismo derramado em ofícios, discursos e documentos: Vossa Excelência, Vossa Senhoria, Ilustríssimo Senhor, Magnífico Reitor, Meritíssimo Senhor Juiz de Direito…, ninguém desconhece o generalizado uso de “doutor” atribuído, no Brasil, a médicos, dentistas, advogados, engenheiros e a qualquer pessoa a que se queira dar importância e agradar. É o jeito, muitas vezes, de recepcionistas, manobristas e garçons insinuarem uma gorjeta do “doutor” amaciado. 

Bastante revelador também o estribilho tantas vezes usado por quem se julga detentor de algum poder, não admitindo dúvida e muito menos contestação: — “Você sabe com quem está falando”? 

Vale registrar ainda, no discurso da classe política, o gosto por fraseologias generosamente abrangentes, como: “nós, os cidadãos desta pátria”, “eu, como representante das forças democráticas”, “eleito pela vontade popular, me comprometo a…” Tudo para esconder objetivos sorrateiramente manipuladores, numa linguagem paternalista, aparentemente solidária e respeitosa. Se a palavra, na democracia, representa arma indispensável à construção e preservação dos direitos e deveres do povo, o recurso habitual dos detentores do poder visa mantê-lo sem palavra, infante, não falante. Daí a prática de certos baixos expedientes, como execrar a fala “errada” do cidadão comum, de sorte que ele se convence de que não sabe mesmo falar e, por consequência, acaba não se manifestando. Continuará sem voz, dominado pelo bombardeio de slogans, chavões e frases feitas veiculados pela mídia, que, não sem motivo, é controlada por gente poderosa , dona do capital nativo e estrangeiro. 

Em tempo pré-eleitoral, vale a pena a gente se precaver contra o discurso dos candidatos, sejam eles da situação ou da oposição. São simples mortais, mas uma vez eleitos se apresentam como super-cidadãos de poderes ilimitados. Vão de furar fila a exigir assento especial em qualquer reunião. 

Cargo político é poder, mas poder de serviço público. Num país onde grassam a miséria da “plebe” e a corrupção da “nobreza”, nunca é demais evitar e desmascarar a mistificação do poder. Uma coisa é a maneira educada de prestar atenção a uma autoridade, outra, bem diferente, é a submissão cega aos caprichos de qualquer despotazinho do pedaço. Nem todas ordens e pedidos merecem um imediato e corriqueiro “pois não, sim senhor”. 

*Mestre em Filosofia e Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma