Desde o final do século XIX, foi adotado o motor de combustão interna como solução ambiental e energética para a mobilidade. Quando se popularizou na virada do século, foi saudado como uma grande solução ambiental. Em 1880, mais de 100 mil cavalos supriam as necessidades de transporte na cidade de Nova York, mas geravam, também, graves problemas sanitários e de logística. O mesmo ocorria com as grandes cidades europeias. Era necessária uma grande infraestrutura de transporte e armazenagem para alimentar os animais com feno e grãos. Era gerada uma quantidade enorme de esterco, que atraía moscas e outros insetos, além dos animais mortos nas ruas, retirados ocasionalmente dos logradouros. Em 1880, carcaças de mais de 15 mil cavalos mortos foram retiradas das ruas de Nova York. Mas, não eram apenas equinos: uma grande quantidade de caprinos, suínos e outros animais convivia com os habitantes das cidades.

Passados mais de 120 anos, chegamos à conclusão de que a eficiência termodinâmica do motor de combustão interna é muito baixa – entre 26% e 28%, no caso dos motores do ciclo Otto, e entre 28% e 32%, no caso dos motores do ciclo diesel. O restante da energia é dissipado na forma de calor, daí a necessidade do radiador, da água para refrigeração e do uso de materiais mais resistentes e pesados como o ferro fundido usado nos motores. O tamanho das frotas e a emissão de poluentes, sejam aqueles que são objeto de controle nas zonas urbanas – como o monóxido de carbono, os compostos orgânicos voláteis, os óxidos de nitrogênio, os aldeídos, o chumbo tetraetila e outros – ou aqueles classificados como gases causadores do efeito estufa (GEEs), passaram a vilões da poluição local e do aquecimento global.

Há pouca controvérsia em relação à visão de que caminhamos na direção da eletrificação da frota, visto que esta solução proporciona menor consumo energético, geralmente avaliado em megajoules por quilômetro (MJ/km). Nesse contexto, a eletrificação está geralmente associada ao conceito do carro elétrico a bateria. Esta solução, entretanto, não é simples. As baterias são fabricadas com íons de lítio e com cobalto. Já existe preocupação com a disponibilidade de lítio e cobalto suficientes para suprir toda a demanda que deverá advir da adoção desta tecnologia. O cobalto, atualmente, é extraído apenas no Congo, e alega-se que o é com o uso de trabalho infantil, o que traz preocupações de cunho ético. Depois de fabricadas e utilizadas, as baterias têm uma vida útil limitada a poucos anos e requerem substituição a cada quatro ou cinco anos, a um custo considerável. Quando isso ocorre, existe o efeito ambiental negativo do descarte das baterias.

Além disso, de nada adianta o carro elétrico a bateria se a eletricidade vier de uma fonte fóssil que emite carbono na atmosfera. O carro pode ter zero emissão na cidade, mas, quando considerado o ciclo de vida completo do produto, se a fonte da energia tiver origem fóssil, o problema do aquecimento global não é resolvido. Há, ainda, o problema da infraestrutura de distribuição. É necessário criar uma infraestrutura para a recarga ou a troca de baterias, com soluções que levem em conta a cobrança da energia a quem a utiliza efetivamente. Num país onde um percentual elevado da eletricidade consumida é realizado de forma clandestina, é difícil imaginar como irá funcionar o controle de abastecimento de uma frota elétrica equipada com baterias. 

No entanto, existe uma outra eletrificação possível para a mobilidade, realizada por meio do uso de combustíveis líquidos e com a qual objetivos de controle ambiental são atingidos com aqueles de baixa pegada de carbono. Exemplos dessa solução são os veículos híbridos e os equipados com células a combustível, desde que utilizem combustíveis de baixa pegada de carbono, isto é, os biocombustíveis. Estes veículos já existem e representam uma rota tecnológica superior à eletrificação a bateria.

No caso do Brasil, em particular, já existe, inclusive, uma rede com mais de 41.600 postos de revenda capazes de distribuir etanol de cana, considerado avançado por substituir até 89% das emissões de GEEs geradas por um veículo a gasolina. Etanol é energia solar capturada, armazenada e distribuída de forma eficiente, econômica e segura; é, na verdade, equivalente a hidrogênio capturado, armazenado e distribuído de forma eficiente, econômica e segura.

Ademais, é uma rota tecnológica que gera emprego e renda de forma distribuída. Além de baixo consumo energético e baixa emissão de GEEs, a eletrificação baseada em combustível líquido de baixa pegada de carbono promove desenvolvimento econômico e emprego, o que mais vai faltar no futuro com a automação e a modernização dos processos industriais.

Quando avaliado pelo critério do ciclo de vida, no conceito do poço à roda, e não do tanque à roda, o carro flex utilizando etanol no Brasil é menos poluente do que o carro elétrico à bateria projetado para a União Europeia em 2030 e 2040. A otimização dos motores a combustão interna movidos a etanol – com o uso de tecnologias como a biela variável e a introdução do híbrido flex e da célula a combustível movida a etanol – poderá colocar o Brasil na dianteira global em termos de estratégia integrada nas áreas energética, de desenvolvimento e valorização do setor agroindustrial, atendendo objetivos da política ambiental.

A opção por essa rota tecnológica é uma oportunidade enorme pela vocação agroindustrial e o patrimônio tecnológico que o Brasil desenvolveu nessa área. É a possibilidade de convergirem objetivos das políticas energética, ambiental, industrial e de desenvolvimento econômico em torno de um único projeto.

O programa de revitalização do setor de biocombustíveis, RenovaBio, e o novo Inovar-Auto, batizado de Rota 2030, são irmãos siameses que podem levar o Brasil a um grande protagonismo internacional ao eleger uma solução que atende simultaneamente objetivos nas áreas de energia, meio ambiente e desenvolvimento econômico.

 

*Representante da sociedade civil no Conselho Nacional de Política Energética