O professor Tiago Pereira, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, foi selecionado para receber até R$ 1 milhão do Serrapilheira, instituto privado de fomento à ciência brasileira. Os recursos serão aplicados para desenvolver uma teoria matemática capaz de descrever comportamentos em sistemas dinâmicos não-lineares tais como o cérebro, as redes sociais e os sensores de cidades inteligentes.
“Nós entendemos relativamente bem o que acontece quando um sistema está isolado. Por exemplo, sabemos o que um neurônio isolado faz. Mas na natureza as coisas interagem. Então, o comportamento de um elemento depende do que acontece em sua volta e o que esse elemento faz na rede é bastante diferente do que ele faz quando está isolado”, explica o pesquisador. “A vontade de entender como o comportamento muda devido à interação é muito antigo. Na verdade, é o problema não linear mais antigo na história da ciência moderna”, completa.
Mas por que é tão importante construir um modelo matemático que consiga mostrar o que ocorre com um neurônio quando ele interage com os demais neurônios nessa rede complexa chamada cérebro? Tiago revela que esse estudo tem potencial para contribuir com a compreensão sobre as transformações críticas que ocorrem nas redes complexas desses sistemas e que levam, por exemplo, ao surgimento de doenças como a epilepsia. “Nosso sonho é, a partir de observações do sistema no estado saudável, prever quando e como essas transições indesejadas ocorrem. Assim, conseguiríamos desenvolver mecanismos de prevenção e tratamentos”.
Selecionado na primeira chamada pública de apoio à pesquisa científica do Instituto Serrapilheira, Tiago já havia recebido apoio financeiro de R$ 100 mil ao longo do último ano, assim como outros 64 pesquisadores contemplados entre os 1.955 inscritos. Agora, ele está entre os 12 cientistas que receberão até R$ 1 milhão cada, conforme anunciado pelo Instituto na última sexta-feira, 17 de maio. “Vou utilizar os recursos para montar um time interdisciplinar”, diz Tiago.
“Nosso objetivo é identificar os talentos que acabaram de entrar no sistema acadêmico. A longo prazo, criar uma rede de futuros líderes da ciência brasileira”, declarou Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Serrapilheira, no anúncio dos contemplados. “São cientistas jovens, top”, completou o presidente do Conselho Científico do Serrapilheira, Edgar Zanotto. Do financiamento de R$ 1 milhão disponibilizado aos pesquisadores selecionados, R$ 700 mil são concedidos de forma incondicional. Os R$ 300 mil restantes estão condicionados à integração e formação de pesquisadores de grupos sub-representados em suas equipes de pesquisa. A adesão a esse mecanismo é voluntária, ou seja, os pesquisadores podem optar por receber ou não o valor destinado às práticas de estímulo à diversidade.
Tiago Pereira recebeu a notícia de que havia sido selecionado pelo Serrapilheira durante um evento de que participava – School and Workshop on Patterns of Synchrony – no International Centre for Theoretical Physics(ICTP), em Triste, na Itália. Na sexta-feira, ele estava ministrando um workshop sobre as pesquisas que realiza intitulado “Reconstrução da estrutura de redes a partir de dados”. Pelo telefone, Tiago comemorou a conquista: “Ser representante do grupo selecionado é um enorme prazer. Seria ótimo se isso gerasse uma discussão para criar uma sociedade mais baseada em ciência e que valorizasse o conhecimento para desenvolver novas tecnologias e para o crescimento do espírito humano”.
Para o pesquisador, receber esse aporte de recursos no atual cenário brasileiro de cortes nos investimentos em educação, ciência e tecnologia é extremamente relevante: “É muito triste ver uma ação orquestrada contra educação, justamente num país em que a gente precisa tanto disso. Meus pais estudaram apenas até o quarto ano do ensino fundamental. No meu caso, realmente, ler um pouco mudou a minha vida”.
Graduado em Física pelo Instituto de Física da USP, Tiago fez doutorado em matemática aplicada na Potsdam Universitaet, na Alemanha. Depois, fez cinco pós-doutorados em diferentes instituições no Brasil e no exterior. Desde 2015, é professor do ICMC.