A PL 9653/ 2018, proposta apresentada pela então deputada Keiko Ota (PSB-SP) estabelecia a obrigatoriedade em hospitais públicos e privados a instituírem procedimentos relacionados a humanização do luto materno.
O projeto é também uma das causas defendidas pela ONG Amada Helena, que fica no Rio Grande do Sul, e é uma das principais organizações do país que trabalha com as questões da perda gestacional e infantil. E nessa terça-feira, várias ações são realizadas no país.
Logo após a perda de Sofia, Daniele quis entender o porquê da morte da filha em uma gestação que ia tão bem até o oitavo mês.
A dona de casa conta que do último ultrassom feito até a morte do bebê foram cerca de 15 dias, o último exame não tinha apresentado nenhuma alteração, nada que explicasse porque o coração de Sofia parou de bater.
Depois de perceber que a bebê não estava mexendo há dois dias, ela decidiu ir até a maternidade para visitar uma sobrinha que tinha tido bebê e aproveitar e ver como Sofia estava. No hospital, a médica já percebeu a ausência dos batimentos e depois um ultrassom confirmou a morte da bebê.
“Eu lembro que a médica disse que não sabia me dizer porque isso estava acontecendo, somente quando abrisse e retirasse a bebê daria para dar uma reposta. Foi como cair em buraco, meu mundo desabou. A gente se sente muito culpada, fica pensando que poderia ter feito algo diferente, que poderia ter visto antes. Sente que fracassou como mãe”, recorda.
Segundo o atestado de óbito, Sofia morreu porque que não conseguia mais receber o oxigênio e demais nutrientes pelo cordão umbilical, uma condição muito rara de acontecer e que é de difícil diagnóstico por meio dos exames pré-natais.
“No dia do parto, o médico até comentou. Eu acordei da anestesia com ele falando que em mais de 30 anos de carreira ele nunca tinha visto algo desse tipo e uma enfermeira me falou ali ainda no centro cirúrgico que a minha filha tinha morrido porque o cordão estava enroscado no pescoço dela”.
Daniele ganhou uma caixa de memórias para guardar objetos da filha — Foto: Arquivo pessoal
Segundo a médica obstetra Mariele Storniolo, os casos de nó verdadeiro de cordão, que podem levar ao óbito fetal, são raros, mas podem acontecer e não são possíveis de identificar por meio dos exames de ultrassom.
“É bem raro [nó verdadeiro de cordão] e muitas vezes ele é um achado apenas após o parto, porque não comprometeu a circulação dos nutrientes da placenta para o bebê por meio do cordão. Porém em alguns casos de óbito fetal sem causa explicada, na hora do nascimento você percebe um nó tão firme que acabou comprometendo essa circulação. Mas não dá para diagnosticar previamente, é sempre um achado no nascimento, tanto do bebê que nasceu bem como daquele que veio a óbito”, explica.
No entanto, ela ressalta que esses casos são diferentes da circular de cordão, que é quando o cordão umbilical muitas vezes se enrosca em partes do corpo do bebê, inclusive no pescoço, mas não de uma maneira que causa comprometimento da passagem do oxigênio e outros nutrientes.
A médica destaca também a importância da mãe ser orientada nos casos da perda gestacional para investigar as possíveis causas. “Um dos exames que devem ser feitos é da pesquisa da trombofilia, porque é um diagnóstico que pode ajudar a entender o óbito fetal e até trabalhar na prevenção.”
Apoio e reconhecimento do luto
Entender que a morte da filha foi uma fatalidade que não poderia ter sido evitada foi uma das partes mais difíceis para Daniele.
“Muitas mães descobrem a causas e tratam o problema, o que é até um consolo, saber que existe uma doença que pode ser tratada e ter uma nova chance. Para eu entender que sou saudável, mas fui vítima desse tipo de facilidade foi muito difícil.”
Por isso a data é tão importante para que as mulheres que passam por essa situação possam obter essas respostas e elaborar melhor o luto. E não é por acaso que a palavra sensibilização aparece na nomenclatura desse dia 15 de outubro.
“Nesse movimento de sensibilização da perda gestacional devemos voltar nosso olhar para essa mulher se autorizar a viver esse luto da perda do seu filho tão desejado e imaginado. Desde a concepção ela imagina como será esse filho, se é menino ou menina, que nome dará, como será seu quartinho e isso não se perde do dia para noite. É necessário encontrar apoio, acolher e dar voz a essa dor”, explica a psicóloga de assistência perinatal, Geni Concuruto Reche.
Nesse sentido, a psicóloga também destaca que é um dia de reforçar a causa por um atendimento mais especializado de saúde para essa mulher enlutada. “Como hospitais com protocolos que atendem mulheres nessas situações. O dia também é para lutar para que essas mães tenham alas próprias, grupos de apoio, façam terapia para que elas não fiquem tão sozinhas nessa situação”, reforça.
“Não sabemos lidar com a morte ainda mais quando essa morte acontece no início da vida. Quanto tempo essa dor permanecerá independe de quanto tempo o bebê viveu no seu útero por tanto falar dessa perda é uma maneira de vivenciar o luto e acalmar esse sofrimento”, completa.
Daniele conta que encontrou muito apoio na internet em grupos formados por mães que vivenciaram a mesma experiência, que são chamadas mães de anjos, mas que sentiu falta de apoio na própria cidade e entre os profissionais de saúde.
“Uma das coisas que li que era importante para ajudar a elaborar o luto é ver o bebê e no hospital quase me convenceram do contrário. E esse foi o único momento que eu tive com a minha filha, que eu pude vê-la e guardar uma lembrança de como ela era, só me arrependo de não ter pego ela no colo.”
Outra ação que a ajudou na elaboração do luto foi a caixa de memórias, onde ela guarda peças de roupa da Sofia e outras lembranças.
“É uma dor que nunca acaba, nunca vai acabar, vou sempre sentir falta da Sofia, é sentir falta de algo que nem vivemos. Mas hoje eu já consigo pensar em ter outro filho, eu ainda quero isso”, finaliza.
Caixa de memórias foi uma das coisas que ajudou a elaborar melhor o luto, segundo Daniele — Foto: Arquivo pessoal
A Secretaria de Saúde do estado destaca que o foco das políticas públicas é na prevenção à mortalidade neonatal e infantil. No entanto, não há um programa específico voltado para as mães que passam pela perda gestacional e neonatal.
A secretaria destaca, porém, que estimula ações de humanização na assistência, orientando as unidades a seguir a linha de cuidado para as gestantes, em conjunto com municípios, ações para qualificar o acolhimento e o atendimento às gestantes na atenção básica, “porta de entrada” do SUS, a quem compete o acompanhamento das gestações com o pré-natal e a assistência qualificada durante e pós-parto visando a redução dos índices no estado.
Segundo dados da secretaria, taxa de mortalidade neonatal, isto é, de recém-nascidos com idade zero e menores de 28 dias, foi de 7,44 a cada mil nascidos no ano passado, no estado de São Paulo. Ainda em 2018, a taxa de mortalidade fetal foi de 8,76 a cada mil nascidos vivos. Houve 605,9 mil nascidos vivos, com 4,5 mil óbitos neonatais e 5,3 mil fetais.