Sete anos após o início da Lava Jato, o modelo de forças-tarefas deve deixar de ser utilizado nas investigações da operação ainda em 2021, sob entendimento da PGR (Procuradoria-Geral da República) de que ele é instável, frágil institucionalmente e pode produz suspeitas sobre os investigadores.

A ideia é que a partir deste ano as decisões sobre as equipes que tocarão as investigações oriundas da operação fiquem mais descentralizadas, geridas nos próprios estados, e menos dependentes da chefia do Ministério Público Federal em Brasília.

Na prática, a extinção dessas forças-tarefas também pode diminuir a eficiência das apurações ligadas à Lava Jato e a abertura de novos flancos nas investigações, cujo ritmo já vem reduzindo no último ano.

Procuradores que integram os grupos têm dito que o modelo das forças-tarefas e a dedicação exclusiva foram essenciais para desvendar esquemas complexos de crimes de colarinho branco e para a recuperação em escala inédita de dinheiro desviado dos cofres públicos.

No entanto, a PGR tem avaliado que a manutenção dessas equipes de procuradores por um longo tempo pode ser institucionalmente prejudicial ao Ministério Público Federal e tenta restabelecer uma organização similar ao período pré-2014.

Primeiro, porque considera que o formato tem precariedades. A forças-tarefas têm tempo e estruturas pré-determinadas e acabam dependendo do procurador-geral para serem adiadas ou expandidas.

Por isso, há a avaliação de que elas poderiam atuar de maneira artificial, incorporando investigações diversas, para estender o seu período de atuação. A intenção é evitar que conjuntos de procuradores com o objetivo de atuar em apurações específicas acabem quase virando setores próprios dentro do MPF.

Além disso, parte dos integrantes que compõem as forças-tarefas são procuradores lotados originalmente em municípios de pequeno ou médio porte, que se voluntariam e podem acabar desfalcando seus locais de trabalho. Os sucessivos adiamentos de investigações pode atrasar o retorno desses procuradores.

Outro argumento é que procuradores insatisfeitos podem renunciar às suas funções nas forças-tarefas sem ter concluído seus trabalhos, o que criaria mais instabilidade ao modelo.

A PGR tem avaliado ainda que os constantes esforços para manter as forças-tarefas atuando pode implicar em desconfiança dos acusados sobre o trabalho do Ministério Público Federal -por exemplo, se estão sendo acionados porque os procuradores têm convicção das acusações ou só querem justificar a manutenção das forças-tarefas.

Essas insatisfações têm aparecido tanto em despachos como em declarações públicas do procurador-geral da República, Augusto Aras, como do vice-procurador-geral, Humberto Jacques de Medeiros.

Paulatinamente, as investigações sobre crimes de colarinho branco que estão sob a responsabilidade das forças-tarefas serão absorvidas por Gaecos (grupos de atuação de combate ao crime organizado), estruturas de investigação permanentes.

Normalmente, os procuradores que atuam nesses Gaecos não têm exclusividade nas investigações, embora isso possa acontecer em casos excepcionais. A decisão para isso, porém, fica mais ligada ao comando do MPF nos estados do que à PGR.

As forças-tarefas, por outro lado, têm afirmado repetidamente que conseguiram produzir resultados inéditos no Ministério Público Federal e que suas investigações podem acabar nas mãos de procuradores que só querem “sanear o estoque” -ou seja, se livrar das investigações mais complexas sem fazer análise profunda delas.

O modelo atual começou a ser esvaziado após Aras se tornar procurador-geral da República, em 2019, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Bolsonaro rompeu uma tradição que vem desde 2003, de escolha de um PGR que conste na lista tríplice votada pela ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), da qual Aras não fazia parte.

Em 2020, as forças-tarefas da Lava Jato e também da Greenfield, que atua em Brasília e investiga desvios bilionários em fundos de pensão, começaram a serem esvaziadas.

Em São Paulo, uma mudança interna levou à implosão da Lava Jato no estado, que investigava principalmente suspeitas de irregularidades em governos do PSDB no estado.

A saída do grupo aconteceu por insatisfações com uma colega, a procuradora Viviane Martinez. Apesar de ser oficialmente a titular do setor que cuida dos casos da Lava Jato (chamado de 5º Ofício), ela não fazia parte da força-tarefa e não trabalhava nas investigações relacionadas à operação.

No entanto, os procuradores disseram que ela vinha interferindo nos trabalhos.

Os procuradores esperavam apoio da PGR para que pudesse haver a troca de Viviane por outro procurador, mais alinhado às investigações, o que não ocorreu. Eles pediram desligamento da força-tarefa e não foi formado um novo grupo para analisar os casos que ficaram pendentes.

Em Curitiba, a força-tarefa original da Lava Jato teve os seus trabalhos estendidos até outubro de 2021, mas foi retirada a exclusividade da maioria dos procuradores que atuam no caso.

Apenas 3 dos 13 continuam se dedicando integralmente à operação e os demais acumularão funções. Na avaliação de procuradores, isso é prejudicial às apurações em curso. A Lava Jato do Paraná investiga casos relacionados à Petrobras e foi responsável pelas acusações que levaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à prisão.

No Rio, principal desdobramento da Lava Jato, que entre outras investigações desmontou uma rede de doleiros que atuava no país, a força-tarefa foi prorrogada até 31 de janeiro.
Já em relação à Greenfield, a coordenação da força-tarefa passou a ser do procurador Celso Três, após Anselmo Lopes se afastar do cargo, justificando que havia falta de apoio de Aras.

Ao assumir, Três enviou uma proposta à PGR que na prática encerraria as investigações em andamento e concentraria os casos na Polícia Federal, segundo o jornal O Globo. Na proposta, ele disse que não estava lá “para trabalhar muito” -depois justificou que era uma ironia.