Além do problema de segurança na aplicação do pré-teste do Enem (Exame Nacional de Ensino Médio),  o vazamento de 14 questões a alunos do ensino médio de uma escola de elite de Fortaleza demonstra uma fragilidade do banco de itens do Inep (Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). É com base nesse conjunto de itens que a autarquia elabora o Enem, que em 2011 teve 5,3 milhões de inscritos.

Segundo o MEC (Ministério da Educação), o banco para o Enem tem 6.000 itens. Especialistas ouvidos pelo UOL Educação acreditam que o “vazamento” de questões é consequência de baixo número de questões disponíveis para montar a prova.

Na opinião de Tufi Machado Soares, professor da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), esse arquivo de perguntas deveria ter 40.000 questões, ou seja, 10.000 por área do Enem. “Acho que o Enem foi implementado de maneira apressada, sem planejamento nem discussão”, afirma o pesquisador que também é coordenador de pesquisa do Caed (Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação).

O professor Dalton Francisco de Andrade complementa que o número de itens no banco do Inep teria de ser grande para a aplicação de mais de duas provas por ano — logo mais em novembro, o MEC vai fazer o Enem para os presidiários e para os mais de 600 alunos do Colégios Christus cujo exame foi anulado. “Para ter um certo grau de conforto [e fazer mais de duas aplicações por ano], o banco [para fazer uma prova de 180 questões] precisaria de 50 a 60 mil itens”, afirma o professor titular do departamento de Informática e Estatística da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

MEC admite

Questionada sobre as limitações do banco de itens, a assessoria de imprensa do MEC diz que considera que “o atual número de questões é suficiente para realização das provas como são feitas hoje”. No entanto, o MEC confirma que “o banco deve sim ser ampliado, principalmente para capacitar a realização de vários Enem ao longo de um mesmo ano”.

O ministro Fernando Haddad admitiu, ao jornal O Estado de S. Paulo, que o número de questões é baixo. Segundo Haddad, o banco de itens deveria ter “algo entre 15 e 20 mil itens”.

Probabilidade

Se o banco fosse maior, seria mais difícil de coincidirem 14 questões entre o pré-teste e a prova. A coincidência de 14 itens de dois cadernos de pré-teste (em que haviam 48 questões) e a prova do Enem demonstra que o Inep precisou “escolher fortemente no [grupo de itens] do último pre-teste”, segundo Tufi Machado Soares.

Considerando o número de questões do Enem, a quantidade de itens que vazaram em Fortaleza e o total do banco de itens do Inep, havia a chance de que 1,44 questão fosse igual. Uma vez que houve coincidência de 14 questões, os números apontam para um grupo de questões disponíveis menor que o ministério indica.

O fato de o pré-teste ter sido aplicado em todo o país também dá ao exame uma “chance realtivamente alta” de esse tipo de vazamento acontecer. “É óbvio que houve dolo [no vazamento de Fortaleza], mas é um indício de que há problemas na base de dados do Enem”, afirma Tufi.

No ano passado, 41 mil estudantes participaram de pré-testes do Enem, segundo o Inep.

Dalton Francisco de Andradefaz uma estimativa: “o ideal é pré-testar agora e só aplicar daqui três anos”. As questões que vazaram em Fortaleza eram da calibragem de outubro de 2010.

Segurança

Na opinião da presidente da Abave (Associação Brasileira de Avaliação Educacional), Lina Katia Mesquita de Oliveira, todos estão preocupados com os problemas do vazamento das questões e não está olhando a “esssência” do problema. “As questões deveriam estar sob responsabilidade de um comitê científico e guardadas a 4 chaves”, afirma.

Há, segundo ela, questões que precisam ser respondidas com clareza pelos organizadores do exame e do pré-teste. “Havia dois aplicadores nas salas de pré-teste? Eles abriram os envelopes lacrados [na frente dos estudantes que fizeram a calibragem dos itens]?”, questiona a pesquisadora.

Ela defende que a “política do Enem é boa” e do que ela precisa é “ser repensada no processo”. Segundo ela, é preciso ter consistência na aplicação, mas isso precisa começar “desde a essência”.

Ela aponta que em vestibulares muito concorridos, como é o caso de medicina, uma única questão pode fazer a diferença no resultado do candidato. “É um ano que o menino vai ter que investir a mais na sua vida”