Imagine como seria se sua escola fosse cercada de natureza, todas as crianças falassem dois idiomas e você sempre tivesse a companhia da mãe. Em vez de matemática, que tal um passeio na trilha e aula de como fazer armadilhas para animais? Embora seja bem diferente do colégio que a maioria das crianças conheça, essa é rotina em um dos três Centros de Educação e Cultura Indígena (CECIs), escolas da prefeitura de São Paulo que incentivam a cultura e os costumes do povo guarani.
Para conhecer de perto e entender como esta escola diferente funciona, a reportagem do UOL Crianças visitou uma das unidades, no extremo sul da cidade de São Paulo, onde estudam cerca de 40 crianças de até cinco anos. O CECI Krukutu fica dentro da aldeia de mesmo nome, em Parelheiros, bem próximo da represa Billings e a mais de 50 km de distância da Praça da Sé.
Quem não mora lá precisa enfrentar pelo menos algumas horas de trajeto, uma estrada de terra e às vezes até balsa para chegar ao local. Mas estar longe do centro também tem vantagens: lá o clima é mais agradável, a natureza é farta e o ar, bem mais limpo. Se olhar ao redor você não se sente em São Paulo, mas em uma cidadezinha do interior.
O idioma da aldeia é o guarani e todos os moradores conversam entre si nesta língua, inclusive na escola. Lá as crianças têm algumas aulas de português, que elas já conhecem um pouco por conta da televisão, e aprendem as letras do alfabeto. Mas o dia a dia do CECI é em guarani. Até as entrevistas para esta reportagem foram bilíngues: depois de ouvir cada pergunta, os moradores trocavam palavras (e em algumas vezes até longos diálogos) no idioma indígena, antes de decidir o que iriam responder em português.
Aula na mata
A rotina no CECI começa no mesmo horário de qualquer colégio: às 7h da manhã. Mas o restante da programação é um pouco diferente do que acontece nas escolas de educação infantil, que recebe crianças da mesma idade.
Após o café da manhã, as crianças seguem para a Casa de Reza, onde cantam, dançam e fazem orações. A mãe é a maior responsável pela educação dos filhos até eles completarem seis anos. É por isso elas sempre acompanham a rotina deles na escola.
Depois da Casa de Reza, os alunos fazem diferentes atividades ligadas aos costumes do seu povo. “No CECI a gente procura valorizar a brincadeira e o próprio dia a dia é uma aula”, explica Dirceu Tupã Miri, educador do Ceci Tenondé Porã, localizado em uma aldeia vizinha. Prova disso é a aula de construção de armadilhas para animais, parte da tradição de caça indígena. Com uma delas, o grupo conseguiu capturar uma raposa meses atrás, que virou alimento para essa aldeia.
Essa aula começa com uma caminhada por uma trilha, onde as crianças e mães seguem o educador. Enquanto ele recolhe galhos, folhas e outros materiais necessários, as crianças aproveitam para brincar. Mas todas elas percebem quando a atividade vai de fato começar e rodeiam o educador para observar o passo a passo da atividade. Os irmãos mais velhos, quando não estão no horário de aula, ajudam os professores a cumprir esta tarefa. As crianças maiores também podem ajudar em outra aula que acontece na mata, sobre plantas medicinais.
Mas a programação também pode mudar de acordo com o clima. Se estiver chovendo, por exemplo, as crianças assistem a programas e histórias sobre a cultura guarani na sala de vídeo.
“Temos também várias atividades da cultura ‘juruá’ (palavra usada para indicar quem não é índio), para preparar as crianças para a escola primária”, explica Dirceu. É que, a partir dos seis anos, as crianças passam a frequentar uma escola comum, onde todo o aprendizado é em português e as tradições são diferentes das que os índios conhecem.
No CECI também tem sala de informática, mas os computadores são usados apenas para que as crianças desenhem ou façam pesquisas sobre o povo indígena.
Sem brigas
Uma das lições mais importantes para o povo guarani é o respeito aos mais velhos. E isso não significa apenas ter consideração com quem é idoso: qualquer pessoa com idade maior que a sua deve ser obedecida.
Essa tradição é uma das que mais chamam a atenção na escola, porque não existe desavenças no grupo de alunos. Eles são livres para correr, pular, subir em árvores, brincar de roda e até fazer alguma bagunça, mas, diferentemente de qualquer escola comum, ninguém briga, xinga ou cria confusão por ali.
O segurança da escola, Dinarte Benites, diz que a base da educação para os indígenas vem da família. “Isso vem de dentro de casa, com os pais e avós. Temos brincadeiras tradicionais que sempre aprendemos com os mais velhos”. Entre elas, ele destaca uma espécie de peteca feita de palha de milho, chamada de Mbangá, o arco e flecha — com os quais os meninos brincam desde cedo — e artesanato de cestos e brincos para as meninas.