A União Europeia (UE) é mais rigorosa que o Brasil com relação ao controle da bactéria salmonela na produção de aves, mas isso não significa que o método adotado por aqui seja ineficiente, segundo especialistas ouvidos pelo G1.
A salmonela é uma bactéria comum que faz parte da flora intestinal de seres humanos e de animais. Há, no entanto, dois tipos de maior preocupação para a saúde pública: a Salmonella typhi, que leva a infecções sistêmicas; e a Salmonella Typhimurium, um dos agentes causadores das gastrenterites (inflamações no estômago e no intestino).
Quem se contamina com esses tipos de salmonela pode sentir náuseas, dores abdominais, dores de cabeça e diarreia. No limite, a contaminação pode levar à infecção generalizada.
No Brasil, a fiscalização vai no sentido de reduzir a quantidade de bactérias presentes nos alimentos e há tolerância para a presença do micro-organismo em amostras. Já na Europa, não há um limite permitido para a salmonela.
Nesse sentido, a operação Carne Fraca prendeu dez envolvidossuspeitos de fraudar laudos para exportação da BRF Brasil Foods, incluindo o ex-diretor-presidente da empresa.
A operação é sobre o conteúdo técnico dos laudos da carne mandada para fora do Brasil – e não tem a ver especificamente com o consumidor brasileiro. Por isso, Ministério da Agricultura e associação de produtores de franco garantiram que as irregularidades não causam riscos por aqui.
Especialistas explicam as diferenças na fiscalização entre países do bloco e os órgãos brasileiros.
As regras no Brasil:
- Há um processo de controle de carcaças, quando o frango está prestes a ser rotulado.
- A frequência da coleta depende de acordo com a quantidade da produção. Por exemplo, a empresa que abate de 100 a 200 mil frangos por dia deverá retirar as amostras diariamente.
- Serão 51 amostras coletadas, das quais 12 podem conter salmonela – cerca de 23% de tolerância.
- No caso da análise por lote embalado, serão coletadas 5 amostras e apenas 1 poderá conter o micro-organismo (20%).
As regras na União Europeia:
- Para importação e para o mercado interno, os europeus exigem que os lotes passem por uma coleta de cinco amostras. No entanto, não pode haver a detecção de salmonela em nenhum deles.
De acordo com Humberto Cunha, gerente de qualidade de um abatedouro de frango em Minas Gerais que exporta para a UE, os padrões exigidos pelo Brasil e pelo grupo econômico são mesmo diferentes.
Ele explica que a forma de análise adotada no Brasil, com 51 amostras, é muito parecida com a legislação vigente nos Estados Unidos.
“O Brasil copia muito o que os Estados Unidos impõem. A nossa legislação é muito parecida, por lá eles aceitam um limite [de salmonela]. É um desafio muito grande produzir um produto 100% ausente de salmonela”, explicou.
Método brasileiro traz riscos?
De acordo com o Ministério da Saúde, a presença de salmonela spp é comum em carne de aves, pois faz parte da flora intestinal desses animais, mas a bactéria é destruída quando submetida a altas temperaturas, como fritura e cozimento.
A professora Letícia Casarin, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, diz que são necessárias cerca de 1 milhão de células do micro-organismo para causar a doença.
“Mas esse número também varia, já que é uma média para adultos saudáveis sem comprometimento do sistema imunológico. Pode ser que uma criança precise de menos para ter a infecção”.
Casarin confirma que o cozimento ou fritura destroem a salmonela, mas alerta que uma quantidade pequena da bactéria pode ser uma fonte de contaminação.
“Um frango com uma quantidade pequena [da salmomela] pode ser uma fonte de contaminação. A pessoa vai manusear o frango na mesa, vai cortar. Depois de cozido, ele vai estar livre, mas outras coisas que passaram pela cozinha talvez não”.
A professora acredita que a diferença de legislação de Brasil e Europa pode ter motivação histórica:
“Provavelmente, nós temos essa tolerância maior com base no nosso histórico. Temos um histórico de alguns anos atrás de alta contaminação com salmonela. Passou a ser bem controlada, mas, provavelmente, como temos uma incidência maior, temos uma tolerância maior”, explicou.
“Acho que o risco para a população é muito baixo, porque não comemos o frango cru. Mas isso mostra que temos uma incidência que não conseguimos controlar. E que os mercados de fora não aceitam isso”.
A operação
Deflagrada nesta segunda-feira (5), a nova fase da Operação Carne Fraca investigou quatro fábricas da BRF que fraudaram laudos sobre a presença da bactéria salmonela a fim de garantir a exportação dos produtos.
Dez pessoas foram presas, entre elas Pedro de Andrade Faria, ex-diretor-presidente global da BRF. Em nota, a BRF afirma que segue normas de qualidade e que vai colaborar com as investigações “para esclarecimento dos fatos”.
De acordo com a Polícia Federal e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), estão envolvidas na fraude três fábricas para consumo humano e uma que produz ração: de Carambeí (PR) e de Rio Verde (GO), que produzem frango; de Mineiros (GO), que produz peru; e de Chapecó (SC), que fabrica ração.
As investigações apontam fraude nos laudos emitidos para exportação a 12 países que exigem requisitos sanitários específicos de controle da bactéria do tipo salmonela spp.