Corri durante anos para alcançar um ponto em que correr não fosse mais minha prioridade. É a estranheza de não saber para onde se vai. E eu corria, ora de mim, ora da vida, ora dos outros. Eu corria para longe daquilo que me mantinha a correr. Para longe daquilo que me fizera um estranho à vida e ao tempo.

Várias foram às vezes em que não me via parando de correr. Várias foram às vezes em que tudo que me rodeava parecia me seguir e me levar, em círculos, ao ponto de partida de minha corrida desestruturada. Nunca haveria de encontrar um ponto de chegada.
A chegada estava perdida entre todos os emaranhados caminhos que meus pés se puseram a traçar e me levar adiante. Longe de tudo que deixei pra trás, longe da verdade que se escondera ao longo da costa de meu caminho incerto sobre o murmúrio do oceano. Longo era o caminho que corri para me afastar de um caminho já traçado por quem me fizera ir além de minhas próprias memórias.
“Sem pódio de chegada, ou beijo de namorada” dizia a canção de Cazuza. Porém, até que ponto a vitória nessa corrida me faz maior que o caminho que tracei em desespero? Nada é simples quando visto de um novo ponto de vista. Nada é calmo quando visto da correria que meus pés se puseram a manter sobre o manto da incerta cruzada de meu destino retrógrado.
Minha corrida se mantinha por mero descaso da grandeza contextual dividida sobre minha cabeça sem alinho de qualquer pureza ou calúnia. Sem a verdade ou a mentira, apenas um caminho a ser traçado por aquele que se põe a correr em devaneio.
Corri por todo esse estreito caminho rumado ao infinito que me cativara à alma. Por todo esse caminho cravejado de promessas e de certa delicadeza sutil nas artimanhas de um sentido oblíquo e, outrora, válido (ou inválido, saberei um dia).
Pela indiferença que a vida me incrustara, não tive escolha, senão correr em disparada sobre o silêncio da forma que um dia me apresentara tal proposta. Da proposta que a vida me incumbira de creditar como algo solene, algo valioso. Embora, nunca me tenha sido tão simples a incumbência de tais características em um sentido tão valorizado e enigmático.
Fiz-me corredor pela vida, para a vida e à vida. Sem a certeza que me poderia alimentar em um caminho com desejos amenos e deveras atraentes, me mantivera a correr todos esses sentidos que de nada me adiantaram ao longo de sórdido caminho.
Da corrida que me pus a manter, agora me sobra o cansaço e a dor. Dor, essa, que me aflige em pontos distintos de um coração sem preparo para tal disparada de início percebida e pouco tardia.
Cansaço, esse, que me pusera a pensar nas incertezas do caminho à frente, das incertezas de onde chegariam meus pés rumando o horizonte sempre celeste.
O cansaço me pusera em desuso à corrida. A dor me pusera em conflito com meu rumo um dia acreditado como correto, embora, nunca houvera um objetivo claro em minha mente e alma anteriores ao dia de minha partida.
A dor e o cansaço me fizeram perdido nesse caminho obsceno de garras hasteadas e clarões de bombas. A dor e o cansaço me fizeram desistir desse caminho. A dor e o cansaço fizeram de mim um desistente de tudo que um dia prometi encontrar ao fim de árdua maratona. A dor e o cansaço me fizeram parar de correr.
Sem que pudesse correr mais, me vi ali, parado, a almejar mais cinco minutos de caminho, para, em torcida, encontrar o ponto que me serviria de chegada dessa longa corrida descrente e desajustada.
Assim, me mantive parado e vi que todo o caminho percorrido me trouxera uma única certeza: Não há aonde chegar se não faço de mim, meu próprio caminho.
E sem ter aonde chegar, estive ali parado, vislumbrando, a dois passos de mim, o fim que poderia ter me feito campeão. O fim que poderia ter me revestido em objetivo e, então, me tornado completo.

*escritor