Quando a senhora Dilma ouviu de um povo bufão o brado retumbante, começou a “ter Copa”. Na hora, pálidos e sem graça, ela e o Blatter, da FIFA, perderam a fala. Coube então ao silêncio, constrangido, declarar inaugurado o evento. E se seguiu o hino nacional berrado, chorado e desafinado.
O grito do Itaquerão impediu que o Blatter e a Dilma desempenhassem o papel que lhes tinha sido destinados no “script”. Mas, nada como bons artistas para salvar a moral de uma pátria conspurcada por palavrões. O centroavante Fred, depois de rápido estágio nos estúdios da Globo, estava lá para atrair os aplausos que o distinto público havia negado para Dilma e Blatter. Sem nunca haver contracenado com o coadjuvante, a apresentação saiu melhor do que qualquer ensaio. Foi Fred escorregar dos braços do zagueiro croata e lá estava o árbitro japonês, apontando lépido e faceiro para a marca do pênalti.
E aí, minha gente, teve Copa, sim. Ninguém na FIFA é doido de rasgar dinheiro para permitir que o país sede do evento futebolístico internacional seja derrotado na primeira partida. Seria como continuar uma festa de casamento, da qual tenha fugido a noiva, não com o noivo, mas com o vizinho.
Então, para desapontamento dos que não queriam Copa, teve Copa, sim. E os ufanistas festejaram de peito estufado, reptando a turma do “não vai ter Copa”. E graças às traves, o Brasil passou pelo Chile, o patriotismo virou um rio de lágrimas, que desaguou no mar do “oba, oba”. Foi a Fluoxetina nacional. O humor subiu, a Dilma subiu nas pesquisas. A Copa se tornou sucesso de bilheteria e público. Os estrangeiros, que deixaram a carne de segunda em casa, se lambuzaram com o filé nacional: não tinham vindo para a procissão em Aparecida, mas para a Copa.
O evento foi divido entre três parceiros: a FIFA ficou com as exigências da montagem do palco para a apresentação da peça, a seu modo, à sua feição. O cenário, a produção, a direção, a realização, os atores e, principalmente, a bilheteria eram dela. O Brasil ficou com a truculência: botou o exército na rua, atropelou a Constituição no direito de ir e vir, e rasgou o Código do Consumidor, permitindo reserva de mercado e abuso de preços. O contribuinte ficou com a conta.
O espetáculo foi envolvente, embriagou o país com delírio patriótico. Mais lágrimas arrancaram os desfalques da seleção do que a morte de inocentes, debaixo do viaduto inacabado e superfaturado pelo PAC da Copa. Alheios à tragédia, os que gostam de circo se aliaram aos que precisam de pão: choraram juntos, vendo o Neymar na maca estilo funerário da FIFA.
Mas, aí apareceram os “Panzer” alemães, aproveitaram o “chororó” e empurraram a pátria para o inferno, onde, além de choro, tem ranger de dentes. Em seguida vieram os holandeses, que a mandaram para o subsolo das trevas, porque o andar de cima era deles.
Teve Copa, sim, com mortes, desabamentos, festas, licitações de fachada, segurança para estrangeiros, e um mar de lágrimas por falta de futebol… brasileiro, é claro. Já que os alemães deram um show.
*advogado e autor do livro ‘Esse circo chamado Justiça’.