Nos últimos dias, a mídia amplamente noticiou que a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados deu parecer favorável à tramitação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 171, de 1993, que pretende alterar o artigo 228 da Constituição Federal. A mudança, se aprovada no Legislativo e sancionada pelo Executivo, passa a estabelecer a imputabilidade penal para os menores de 16 anos.
Vale lembrar que a CCJ realiza apenas o exame de admissibilidade da PEC, isto é, analisa a sua constitucionalidade, legalidade e respeito ao processo legislativo, sem afirmar se a matéria em discussão deve ou não ser aprovada. Mas, o fato é que desde então, muito se debate sobre tal proposta, com argumentos favoráveis e contrários, seja com lastro jurídico ou social.
Uma pesquisa Datafolha revelou que 87% dos brasileiros são favoráveis à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. O levantamento apontou que 11% são contrários à mudança. Os demais são indiferentes ou não souberam responder.
Mais do que olhar friamente para o resultado da pesquisa, é preciso entender qual o recado que a sociedade brasileira está dando. Claramente, o desejo não é o de ver os jovens cada vez mais jovens na cadeia, mas de alcançar a redução da criminalidade e do envolvimento desses meninos e meninas que são vítimas de uma sociedade desigual e de poucas oportunidades.
Sou contra a redução da maioridade penal. Entendo que, em primeiro lugar, reduzi-la é reconhecer a incapacidade do Estado brasileiro de garantir oportunidades e atendimento adequado à juventude. Seria um atestado de falência do sistema de proteção social do país.
Defender a diminuição da maioridade penal no calor da emoção não garante o combate às verdadeiras causas da violência no país. Pelo contrário, contribui para que tenhamos criminosos profissionais cada vez em idade mais precoce. É como chocar o ovo da serpente, formando nas cadeias, dentro de um sistema prisional arcaico e falido, criminosos cada vez mais jovens.
A certeza da punição é o que inibe o criminoso. No Brasil existe a certeza da impunidade, já que apenas 8% dos homicídios são esclarecidos. Precisamos de reestruturação das polícias brasileiras, do sistema prisional e melhoria na atuação e estruturação do Judiciário. O índice de reincidência criminal no Brasil, conforme dados oficiais do Ministério da Justiça, chega a 60%, o que indica claramente que se trata de um sistema incapaz de resolver a situação. Já no âmbito da Fundação Casa, por mais crítico que seja, estima-se a reincidência em 30%.
Pois bem, se adultos internos nas cadeias de um sistema falido não resolve o problema da violência, já que voltam a cometer crimes após ficarem livres, por que achar que prender cada vez mais cedo será eficiente?
Os jovens brasileiros figuram mais entre as vítimas da violência do que entre os autores de crimes graves. Os números da Fundação Casa, em São Paulo, mostram que latrocínio e o homicídio representam, cada um, menos de 1% dos casos de internação de jovens para cumprimento de medida socioeducativa, sendo a maioria dos casos de internação por roubo e tráfico de drogas.
Além disso, o último Mapa da Violência indica que a questão a ser encarada do ponto de vista da política pública é a mortalidade de jovens, sobretudo, dos jovens negros, e não a autoria de crimes graves por jovens. Segundo esse estudo, de cada três mortos por arma de fogo, dois estão na faixa dos 15 a 29 anos. De acordo com a publicação, feita pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos e pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, os jovens representam 67,1% das vítimas de armas de fogo no país.
Como diz o pesquisador Julio Jacobo Walselfisz, não acreditamos que a juventude seja produtora de violência. As novas gerações, mais que fatores determinantes da situação de nossa sociedade, são um resultado da mesma, espelho onde a sociedade pode descobrir suas esperanças de futuro e também seus conflitos, suas contradições e, por que não, seus próprios erros.
*professor especialista em Enem, diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber de São Paulo.